quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capítulo 17 - Elizabeth e Jane conversam sobre o Sr. Wickham



No dia seguinte, Elizabeth contou a Jane a sua conversa com o Sr. Wickham. Jane escutou-a, entre espantada e pesarosa; não podia admitir que o Sr. Darcy fosse a tal ponto indigno da estima do Sr. Bingley; e, contudo, não era da sua natureza duvidar da veracidade de pessoa tão encantadora como Wickham. Só a possibilidade de este ter alguma vez sofrido tamanha injustiça bastava para lhe despertar os mais ternos sentimentos; e não via, por conseguinte, outra atitude a tomar senão conservar a boa opinião que tinha dos dois, defender o comportamento tanto de um como do outro e atribuir a um incidente ou erro de interpretação tudo o que de outro modo não pudesse ser explicado.

- Estou persuadida - disse ela - de que não passa de um mal-entendido entre eles, e do qual nada poderemos saber. Quem sabe se não foram interesseiros que os indispuseram um contra o outro. Não nos podemos, em resumo, deitar a adivinhar sobre quais as causas ou circunstâncias que os afastaram, sem o conhecimento de uma culpa formada de parte a parte.

- Tens toda a razão; e agora, minha querida Jane, que te oferece dizer-me em defesa dos interesseiros que porventura entraram no negócio? Iliba-os também, se és capaz, ou sentir-nos-emos obrigadas a colocar as culpas em alguém.

- Faz a troça que quiseres, mas eu continuarei na minha. Minha querida Lizzy, pensa só na perspectiva odiosa em que isso não colocaria o Sr. Darcy, tratar de tal modo o favorito de seu pai, alguém a quem seu pai prometeu ajudar. Bem vês que é impossível. Nenhum homem dotado de um mínimo de sentimentos e prezando um pouco o seu carácter seria capaz de tal coisa. Dar-se-á o caso de os seus amigos mais íntimos estarem iludidos a seu respeito? Oh!, não!

- Sou mais facilmente levada a acreditar no Sr. Bingley como vitima de um logro do que na possibilidade de tudo o que o Sr. Wickham ontem à noite me contou não passar de invenção sua; nomes, factos, tudo ele me mencionou sem hesitação de espécie alguma. Se não passa de uma mentira pegada, o Sr. Darcy que o venha provar. De resto, ele parecia sincero naquilo que dizia.

- É difícil, de facto, e aflitivo. Uma pessoa não sabe o que pensar.

- Desculpa; uma pessoa sabe exactamente o que pensar.
Mas de uma coisa, pelo menos, Jane estava certa, e era a de que, se acaso o Sr. Bingley estava sendo enganado, muito iria ele sofrer quando tudo aquilo viesse a lume.

As duas raparigas foram, entretanto, chamadas do jardim, onde esta conversa decorria, pois tinham precisamente acabado de chegar algumas das pessoas sobre quem falavam; o Sr. Bingley e as irmãs vinham pessoalmente convidá-las para o baile em Netherfield, desde há muito esperado, e que se realizaria na terça-feira seguinte. As duas senhoras mostraram-se encantadas por se encontrarem de novo com a sua querida amiga, falaram-lhe na eternidade da sua separação e repetidas vezes lhe perguntaram em que se ocupara desde então. Ao resto da família pouco ligaram; evitando tanto quanto possível a Sr.a Bennet, a Elizabeth pouco disseram e para as outras nem sequer olharam. Em breve se prepararam para partir, levantando-se tão decididamente dos lugares que apanharam o irmão de surpresa e apressando-se para a saída, como que ansiosas por escaparem às amabilidades da Sr.a Bennet.

A perspectiva do baile em Netherfield era extremamente agradável a todas as mulheres da família. A Sr.a Bennet entendeu considerá-lo como dado em honra da sua filha mais velha, e ficara particularmente lisonjeada por ter recebido o convite do próprio Sr. Bingley, em lugar do cerimonioso cartão da praxe. Jane antevia uma noite maravilhosa na companhia das duas amigas e rodeada das atenções do irmão, enquanto Elizabeth sonhava com o prazer de dançar com o Sr. Wickham e em ver confirmado na pessoa e atitudes do Sr. Darcy tudo o que aquele lhe contara. A felicidade antecipada de Catherine e Lydia não dependia tanto de um simples acontecimento ou de uma pessoa em particular, pois, embora cada uma delas, tal como Elizabeth, tencionasse dançar metade da noite com o Sr. Wickham, ele não era de modo algum o par único que as pudesse satisfazer, e um baile sempre era um baile. A própria Mary garantiu à família não sentir qualquer aversão por tal divertimento.

- Desde o momento em que possa dispor das minhas manhãs - proferiu ela -, dou-me por satisfeita. Não considero um sacrifício participar ocasionalmente na festa nocturna. Todos nós temos deveres sociais a cumprir; e partilho, aliás, da ideia de que um intervalo de recreação e divertimento só vem em benefício de uma pessoa.

Elizabeth sentia-se tão animada e bem disposta que, embora não dirigisse frequentemente a palavra ao Sr. Collins senão quando estritamente necessário, não pôde deixar de lhe perguntar se acaso ele tencionava aceitar o convite do Sr. Bingley, e se, sendo assim, ele achava próprio da sua condição participar no divertimento da noite. A resposta dele surpreendeu-a sobremaneira, pois, além de não alimentar sob esse aspecto quaisquer escrúpulos, ele estava longe de recear uma censura que fosse, quer da parte do arcebispo como da própria Lady Catherine de Bourgh, por se aventurar até a dançar.

- Não considero de modo algum, creia-me - disse ele -, que um baile deste género, oferecido por um jovem de carácter a gente respeitável, possa encobrir qualquer tendência perniciosa; e estou tão longe de me guardar de tal prazer que espero ter a honra de dançar com cada uma das minhas encantadoras primas no decorrer da noite, aproveitando desde já o ensejo para lhe solicitar, Menina Elizabeth, as duas primeiras danças, em especial, preferência esta que eu espero que a minha prima Jane atribua à justa causa, e não a qualquer desconsideração por ela.

Elizabeth ficou consternada, pois eram exactamente aquelas as danças que reservara para o Sr. Wickham: - e logo o Sr. Collins! Nunca a sua animação fora posta tão à prova. Não podia, porém, evitá-lo. A felicidade de Wickham, e a sua própria, foi, por força das circunstâncias, adiada para um pouco mais tarde, e a proposta do Sr. Collins aceite com tanta gentileza quanto a que se lhe tornou possível exprimir. Não se sentia sequer lisonjeada pela galanteria dele, pois via nela uma sugestão mais remota. Ocorria-lhe agora, pela primeira vez, a ideia de que era «ela» a eleita entre as suas irmãs para se tornar na senhora do presbitério de Hunsford e completar a mesa de jogo em Rosings, sempre que parceiros mais qualificados não se apresentassem; ideia essa que em breve atingiu a convicção, quando o viu multiplicar as suas delicadezas para com ela e com frequência tentar elogiá-la pelo seu espírito e vivacidade; e, embora mais espantada do que reconhecida por aquele efeito dos seus encantos, não decorreu muito tempo sem que sua mãe lhe desse a entender quanto lhe agradava a perspectiva de uma união entre eles. Elizabeth, contudo, preferiu não se dar por achada, pois pressentia a discussão tempestuosa que uma réplica sua provocaria. Além disso, o Sr. Collins podia nunca chegar a fazer o pedido, e, até lá, era inútil bulharem-se por causa dele.

Não fosse o baile em Netherfield, o qual exigia uma certa preparação e proporcionava um assunto de conversa inesgotável, e as mais novas das Meninas Bennet estariam nessa altura num estado lastimoso, pois, desde o dia em que receberam ó convite até ao próprio dia do baile, choveu tão profusa e ininterruptamente que se lhes tornou impossível irem a Meryton uma só vez. A tia, os oficiais e os mexericos, tudo lhes estava vedado. A própria Elizabeth se ressentiu na sua paciência para com o estado do tempo, que suspendeu por completo a evolução do seu conhecimento com o Sr. Wickham; e nada, a não ser o baile de terça-feira, poderia ter tornado sexta, sábado, domingo e segunda-feira suportáveis a Kitty e Lydia.


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