Capítulo 57 - Darcy se declara mais uma vez à Elizabeth
O Sr. Bingley
não recebeu carta nenhuma do seu amigo, como Elizabeth receara, e, em vez
disso, trouxe Darcy em visita a Longbourn, poucos dias depois da vinda de Lady
Catherine. Os cavalheiros chegaram cedo; e, antes que a Sr.a Bennet tivesse
tempo para lhe contar que tinham recebido a visita de sua tia, o que Elizabeth
receava a todo o momento, Bingley, que queria ficar a sós com Jane, propôs um
passeio. Todos concordaram. A Sr.a Bennet não tinha o hábito de caminhar e Mary
não tinha tempo a perder, mas os cinco restantes partiram juntos. Bingley e
Jane, contudo, em breve deixaram que os outros se distanciassem. Foram ficando
para trás, enquanto Elizabeth, Kitty e Darcy teriam de se bastar uns aos
outros. Os três pouco conversavam; Kitty tinha medo de Darcy; Elizabeth estava
intimamente formando uma resolução desesperada; e ele talvez estivesse fazendo
o mesmo.
Caminhavam em
direcção a casa dos Lucas, pois Kitty queria fazer uma visita a Maria; e,
quando Kitty os deixou, Elizabeth continuou resolutamente com Darcy. Chegara
agora o momento de pôr em prática a sua resolução, e, antes que a sua coragem
fraquejasse, disse:
- Sr. Darcy, sou
uma criatura muito egoísta; e, a fim de aliviar as incertezas dos meus
sentimentos, vou talvez ferir os seus. Não posso adiar por mais tempo os
agradecimentos que lhe devo pela sua inestimável intervenção a favor de minha
irmã. Desde que tomei conhecimento de tal atitude, tenho ansiado por uma
ocasião para lhe manifestar toda a minha gratidão. E, se todas as outras
pessoas da minha família o soubessem, não lhe falaria apenas em meu nome.
- Sinto
imensamente - replicou Darcy, num tom de surpresa e emoção - que tenha sido
informada de um facto que, mal interpretado, poderia tê-la contrariado. Julguei
poder confiar na discrição da Sr.a Gardiner.
- Não deve culpar
a minha tia. Foi por uma inatenção de Lydia que eu soube que o senhor se tinha
envolvido no caso; e, naturalmente, não descansei enquanto não fui posta ao
corrente de tudo o que se passara. Deixe-me agradecer-lhe novamente, em meu
nome e no da minha família, pela generosa compaixão que o levou a dar-se a
todos os incómodos e a suportar tantas mortificações, na busca que lhes fez.
- Se insiste em
agradecer-me - replicou ele -, faça-o apenas por si. Não nego que o desejo de
lhe causar prazer tenha contribuído também para o que fiz. Mas a sua família
nada me deve. Respeito-a muito, mas creio que foi só em si que pensei.
Elizabeth ficou tão embaraçada que não soube o que responder. Após uma pequena pausa, o seu companheiro acrescentou:
- Sei que é
generosa demais para fazer pouco de mim. Se os seus sentimentos são ainda os
mesmos que manifestou em Abril passado, diga-mo imediatamente. O meu amor e os
meus desejos permanecem inalterados; mas basta uma única palavra sua para que
nunca mais lhe fale no assunto.
Elizabeth,
sentindo, além do mais, a difícil e aflitiva situação em que Darcy se
encontrava, esforçou-se então por falar; e imediatamente, embora de forma
hesitante, lhe deu a entender que os seus sentimentos tinham sofrido uma
transformação tão substancial desde o período a que ele aludira que a levavam
agora a aceitar as suas declarações com prazer e gratidão. A felicidade que
esta resposta causou em Darcy foi a maior que até então conhecera; e, na
ocasião, ele exprimiu-a nos termos mais calorosos que o seu coração de
apaixonado logrou encontrar. Se Elizabeth tivesse podido erguer os olhos, teria
visto toda a felicidade reflectida no rosto dele, infundindo-lhe uma animação
que o tornava belo; mas, se ela não podia olhar, podia ouvir, e ele contou-lhe
tudo o que sentia, o que, ao provar a importância que ela tinha para ele,
valorizava a cada instante o seu amor aos olhos de Elizabeth.
Continuaram a
caminhar ao acaso. Profundamente absorvidos nos seus pensamentos, tinham, além
disso, muito que sentir e muito para dizer. Elizabeth em breve ficou a saber
que deviam o seu actual entendimento aos esforços da tia de Darcy, que, com
efeito, o fora visitar no seu regresso e, de passagem por Londres, lhe relatara
a sua viagem a Longbourn, a sua causa e a conversa que tivera com Elizabeth,
repetindo enfaticamente cada uma das expressões desta última, expressões essas
que aos olhos de Lady Catherine denotavam a perversidade e o cinismo da
rapariga, com o intuito de desacreditá-la perante o sobrinho. Mas, infelizmente
para Sua Excelência, o efeito tinha sido exactamente o oposto.
- Ensinou-me a
esperar - disse ele - como nunca antes o tinha ousado fazer. Conhecia
suficientemente o seu carácter para saber que, se estivesse absoluta e
irrevogavelmente decidida a recusar-me, não hesitaria em dizê-lo a Lady
Catherine com toda a franqueza.
Elizabeth corou
e sorriu ao replicar:
- Sim, conhecia
suficientemente a minha franqueza para saber-me capaz disso. Após tê-lo tratado
de forma tão abominável pessoalmente, não teria escrúpulos em fazê-lo perante
toda a sua família.
- Que me disse
que eu não tivesse merecido? Pois, embora as suas acusações assentassem sobre
premissas falsas, a minha atitude naquele tempo merecia as mais severas
censuras. Era imperdoável. Não posso lembrar-me dela sem horror.
- Não
discutiremos a quem cabe a maior culpa na desavença daquela noite - disse
Elizabeth. - Se analisarmos bem, nenhum de nós se conduziu irrepreensivelmente;
mas, desde então, creio bem que progredimos em delicadeza.
- Não me poderei
reconciliar tão facilmente comigo mesmo. A recordação do que na altura disse,
do meu comportamento, dos meus modos e das minhas expressões, tem sido durante
todos estes meses, e continua ainda a ser, indizivelmente doloroso. Nunca
esquecerei aquele seu reparo, tão bem aplicado: «Se tivesse agido de forma mais
cavalheiresca.» Foram estas as suas palavras. Não sabe, nem poderá imaginar,
como essas palavras me torturaram, embora, confesso-o, só algum tempo depois
lhes tenha reconhecido a justiça.
- Estava,
decerto, muito longe de esperar que elas lhe produzissem uma impressão tão
forte. E nunca pensei que elas pudessem ser sentidas de tal modo.
- Acredito
perfeitamente. Considerava-me naquela altura destituído de todos os sentimentos
humanos, tenho a certeza. Nunca esquecerei a expressão do seu rosto ao dizer-me
que nada a poderia ter persuadido a aceitar a minha mão.
- Oh! Não repita
o que eu disse! Tais coisas não devem ser lembradas. Acredite-me, há muito
tempo que me envergonho profundamente delas.
Darcy mencionou
a sua carta.
- Acaso ela -
disse ele - me reabilitou aos seus olhos? Acaso acreditou no que nela eu lhe
dizia?
Ela explicou-lhe
os efeitos que a sua carta lhe tinha produzido e como, gradualmente, a sua
antipatia se foi dissipando.
- Eu sabia -
disse ele - que o que tinha para lhe escrever a iria ferir, mas era necessário.
Espero que tenha destruído a carta. Não descansarei enquanto não tiver a
certeza de que não a tornará a ler, sobretudo o começo. Lembro-me de certas
expressões que poderiam justificadamente provocar o seu ódio contra mim.
- A carta será
queimada, se acredita que isso seja essencial para a preservação da minha
estima; mas, embora tenhamos ambos razões para pensar que as minhas opiniões
não são inteiramente inalteráveis, não creio, por outro lado, que sejam tão
facilmente influenciáveis como parece supor.
- Quando
escrevia aquela carta - replicou Darcy - pensava que me encontrava num estado
de espírito perfeitamente calmo e frio, mas desde então descobri que a escrevera
profundamente amargurado e triste.
- Talvez no
princípio a carta denotasse uma certa amargura, mas ela não persistiu até
final. A despedida era caridosa. Mas não pense mais na carta. Os sentimentos da
pessoa que a recebeu e da pessoa que a escreveu são agora tão diferentes do que
eram que todas as circunstancias dolorosas relativas a ela devem ser
esquecidas. É preciso que aprenda um pouco da minha filosofia. Lembre-se apenas
daquilo que lhe causa prazer.
- Não creio que
necessite de qualquer filosofia do género na sua vida. As suas retrospecções
devem ser tão totalmente desprovidas de mancha que o contentamento que delas
extrai se deve não a uma filosofia, mas à ignorância, o que é muito melhor.
Comigo, porém, não se passa o mesmo. Quando penso no passado, sou assaltado por
dolorosas recordações que não podem, nem devem, ser repelidas. Toda a minha
vida fui uma criatura egoísta, se não na prática, pelo menos nos meus
princípios. Em criança ensinaram-me o que era certo, mas não me ensinaram a
corrigir o meu génio. Deram-me bons princípios, mas deixaram-me segui-los
baseado no meu orgulho e no meu conceito. Desafortunadamente filho único
(durante muitos anos fui o seu único filho), fui mimado pelos meus pais, que,
embora fossem bons (o meu pai, sobretudo, era a benevolência e a afabilidade em
pessoa), permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e tirânico,
a não me interessar por ninguém para além do círculo da família, a desprezar
todo o resto do mundo e a minimizar o seu bom senso e o seu valor comparados
com o meu. Assim fui eu dos oito aos vinte e oito; e assim permaneceria ainda
se não fosses tu, minha querida e encantadora Elizabeth! O que eu não te devo!
Deste-me uma lição, dura a princípio, mas muito vantajosa. Fui, por ti, devidamente
humilhado. Fui até ti, sem duvidar de que me aceitarias. Foi então que me
revelaste a insuficiência de todas as minhas pretensões para agradar a uma
mulher digna de ser amada.
- Estava
realmente persuadido de que eu me sentiria lisonjeada?
- Confesso que
estava. Que pensa da minha vaidade? Acreditei mesmo que desejava e esperava as
minhas propostas.
- A culpa talvez
caiba aos meus modos, mas não agi intencionalmente, asseguro-lhe. Nunca
tencionei iludi-lo. Como me deve ter odiado, a partir daquela noite!
- Odiá-la!
Fiquei furioso, talvez, a princípio, mas a minha fúria em breve tomou a
direcção acertada.
- Quase não ouso
perguntar-lhe o que pensou de mim quando me encontrou em Pemberley. Censurou-me
intimamente por lá ter ido?
- Não, de modo algum,
senti apenas surpresa.
- A sua surpresa
não foi menor do que a minha ao ser notada por si. A minha consciência dizia-me
que eu não merecia nenhuma delicadeza extraordinária e confesso que não contava
receber mais do que o que me era devido.
- O meu
objectivo naquela ocasião - replicou Darcy - era mostrar-lhe, por toda a
delicadeza ao meu alcance, que não era tão mesquinho que guardasse rancor pelo
passado; e esperava obter o seu perdão e apagar a má opinião que tinha de mim,
dando-lhe a entender que tinha acatado as censuras que me fizera. A partir de
quando outros desejos se introduziram, não lhe posso precisar, mas creio que
meia hora depois de a ter visto.
Darcy contou-lhe
então o prazer que Georgiana tivera em conhecê-la e o desapontamento que sentira
com a súbita interrupção da sua visita. Passou, naturalmente, a falar nas
causas dessa interrupção, e Elizabeth ficou a saber que a resolução dele em
partir em busca da sua irmã fora tomada ainda na hospedaria, e que, se naquela
ocasião se mostrava grave e pensativo, era porque debatia no seu espírito tal
ideia e tudo o que ela acarretava. Ela tornou a exprimir a sua gratidão, mas o
assunto era demasiado penoso para ambos para que insistissem nele.
Após caminharem
várias milhas sem destino e ocupados demais para se preocuparem com isso,
descobriram finalmente, ao olharem para o relógio, que já tinha passado a hora
de regressarem.
- Que será feito
de Bingley e de Jane! - foi a observação que os introduziu na discussão do seu
caso. Darcy estava encantado com o noivado; o seu amigo participara-lho sem
demora.
- Devo-lhe
perguntar se se surpreendeu? - disse Elizabeth.
-Não, de modo
algum. Quando parti, já sabia que isso ia acontecer.
- Quer dizer,
deu-lhe o seu consentimento. Bem me queria parecer. - E, embora ele protestasse
contra o termo, ela percebeu que a sua suposição não estava muito longe da
verdade.
- Na noite da
minha partida para Londres - disse ele - fiz a Bingley uma confissão que há
muito tempo lhe devia ter feito. Contei-lhe como tudo ocorrera, tornando
absurda e impertinente a minha interferência na vida dele. Ele ficou muito
surpreendido. Nunca suspeitara de nada. Disse-lhe, além disso, que tinha
motivos para acreditar ter-me enganado quando lhe dissera que a sua irmã lhe
era indiferente; e como, nessa altura, pude ver que a sua afeição por ela
continuava inalterada, não duvidei da sua felicidade juntos.
Elizabeth não
pôde deixar de sorrir pela facilidade com que ele conduzia o amigo.
- Baseou-se na
sua própria observação - disse ela - quando lhe disse que a minha irmã gostava
dele, ou apenas na minha informação da Primavera passada?
- Na minha
observação. Durante as duas últimas visitas que aqui fiz, observei-a
atentamente e fiquei convencido de que ela o amava sinceramente.
- E a sua
certeza disso, suponho eu, em breve o convenceu a ele também.
- Sim. Bingley é
extraordinariamente modesto. Foi isso que o impediu de confiar no seu próprio
julgamento, mas a confiança que ele deposita em mim tornou tudo fácil. Fui
obrigado a confessar-lhe uma coisa que durante vários dias o indispôs contra
mim. Precisei de lhe dizer que tinha sabido da presença da sua irmã em Londres
durante aqueles meses de Inverno e que propositadamente escondera o facto do
conhecimento dele. Ele ficou furioso, mas estou persuadido de que a sua fúria
durou apenas enquanto duvidava ainda dos sentimentos de sua irmã. Já me
perdoou.
Elizabeth
sentiu-se tentada a observar que o Sr. Bingley tinha sido um amigo encantador,
tão fácil de conduzir que o seu valor era incalculável, mas conteve-se.
Lembrou-se de que ele precisava ainda de aprender a que se rissem dele e que
era um pouco cedo demais para começar. Ao prever a felicidade que esperava
Bingley, que seria apenas menor que a sua, ele continuou a conversa até
chegarem a casa. No vestíbulo, separaram-se.
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