segunda-feira, 28 de maio de 2012

Capítulo 57 - Darcy se declara mais uma vez à Elizabeth


Capítulo 57 - Darcy se declara mais uma vez à Elizabeth 

O Sr. Bingley não recebeu carta nenhuma do seu amigo, como Elizabeth receara, e, em vez disso, trouxe Darcy em visita a Longbourn, poucos dias depois da vinda de Lady Catherine. Os cavalheiros chegaram cedo; e, antes que a Sr.a Bennet tivesse tempo para lhe contar que tinham recebido a visita de sua tia, o que Elizabeth receava a todo o momento, Bingley, que queria ficar a sós com Jane, propôs um passeio. Todos concordaram. A Sr.a Bennet não tinha o hábito de caminhar e Mary não tinha tempo a perder, mas os cinco restantes partiram juntos. Bingley e Jane, contudo, em breve deixaram que os outros se distanciassem. Foram ficando para trás, enquanto Elizabeth, Kitty e Darcy teriam de se bastar uns aos outros. Os três pouco conversavam; Kitty tinha medo de Darcy; Elizabeth estava intimamente formando uma resolução desesperada; e ele talvez estivesse fazendo o mesmo.

Caminhavam em direcção a casa dos Lucas, pois Kitty queria fazer uma visita a Maria; e, quando Kitty os deixou, Elizabeth continuou resolutamente com Darcy. Chegara agora o momento de pôr em prática a sua resolução, e, antes que a sua coragem fraquejasse, disse:
- Sr. Darcy, sou uma criatura muito egoísta; e, a fim de aliviar as incertezas dos meus sentimentos, vou talvez ferir os seus. Não posso adiar por mais tempo os agradecimentos que lhe devo pela sua inestimável intervenção a favor de minha irmã. Desde que tomei conhecimento de tal atitude, tenho ansiado por uma ocasião para lhe manifestar toda a minha gratidão. E, se todas as outras pessoas da minha família o soubessem, não lhe falaria apenas em meu nome.

- Sinto imensamente - replicou Darcy, num tom de surpresa e emoção - que tenha sido informada de um facto que, mal interpretado, poderia tê-la contrariado. Julguei poder confiar na discrição da Sr.a Gardiner.

- Não deve culpar a minha tia. Foi por uma inatenção de Lydia que eu soube que o senhor se tinha envolvido no caso; e, naturalmente, não descansei enquanto não fui posta ao corrente de tudo o que se passara. Deixe-me agradecer-lhe novamente, em meu nome e no da minha família, pela generosa compaixão que o levou a dar-se a todos os incómodos e a suportar tantas mortificações, na busca que lhes fez.

- Se insiste em agradecer-me - replicou ele -, faça-o apenas por si. Não nego que o desejo de lhe causar prazer tenha contribuído também para o que fiz. Mas a sua família nada me deve. Respeito-a muito, mas creio que foi só em si que pensei.


Elizabeth ficou tão embaraçada que não soube o que responder. Após uma pequena pausa, o seu companheiro acrescentou:
- Sei que é generosa demais para fazer pouco de mim. Se os seus sentimentos são ainda os mesmos que manifestou em Abril passado, diga-mo imediatamente. O meu amor e os meus desejos permanecem inalterados; mas basta uma única palavra sua para que nunca mais lhe fale no assunto.

Elizabeth, sentindo, além do mais, a difícil e aflitiva situação em que Darcy se encontrava, esforçou-se então por falar; e imediatamente, embora de forma hesitante, lhe deu a entender que os seus sentimentos tinham sofrido uma transformação tão substancial desde o período a que ele aludira que a levavam agora a aceitar as suas declarações com prazer e gratidão. A felicidade que esta resposta causou em Darcy foi a maior que até então conhecera; e, na ocasião, ele exprimiu-a nos termos mais calorosos que o seu coração de apaixonado logrou encontrar. Se Elizabeth tivesse podido erguer os olhos, teria visto toda a felicidade reflectida no rosto dele, infundindo-lhe uma animação que o tornava belo; mas, se ela não podia olhar, podia ouvir, e ele contou-lhe tudo o que sentia, o que, ao provar a importância que ela tinha para ele, valorizava a cada instante o seu amor aos olhos de Elizabeth.

Continuaram a caminhar ao acaso. Profundamente absorvidos nos seus pensamentos, tinham, além disso, muito que sentir e muito para dizer. Elizabeth em breve ficou a saber que deviam o seu actual entendimento aos esforços da tia de Darcy, que, com efeito, o fora visitar no seu regresso e, de passagem por Londres, lhe relatara a sua viagem a Longbourn, a sua causa e a conversa que tivera com Elizabeth, repetindo enfaticamente cada uma das expressões desta última, expressões essas que aos olhos de Lady Catherine denotavam a perversidade e o cinismo da rapariga, com o intuito de desacreditá-la perante o sobrinho. Mas, infelizmente para Sua Excelência, o efeito tinha sido exactamente o oposto.

- Ensinou-me a esperar - disse ele - como nunca antes o tinha ousado fazer. Conhecia suficientemente o seu carácter para saber que, se estivesse absoluta e irrevogavelmente decidida a recusar-me, não hesitaria em dizê-lo a Lady Catherine com toda a franqueza.

Elizabeth corou e sorriu ao replicar:

- Sim, conhecia suficientemente a minha franqueza para saber-me capaz disso. Após tê-lo tratado de forma tão abominável pessoalmente, não teria escrúpulos em fazê-lo perante toda a sua família.

- Que me disse que eu não tivesse merecido? Pois, embora as suas acusações assentassem sobre premissas falsas, a minha atitude naquele tempo merecia as mais severas censuras. Era imperdoável. Não posso lembrar-me dela sem horror.

- Não discutiremos a quem cabe a maior culpa na desavença daquela noite - disse Elizabeth. - Se analisarmos bem, nenhum de nós se conduziu irrepreensivelmente; mas, desde então, creio bem que progredimos em delicadeza.

- Não me poderei reconciliar tão facilmente comigo mesmo. A recordação do que na altura disse, do meu comportamento, dos meus modos e das minhas expressões, tem sido durante todos estes meses, e continua ainda a ser, indizivelmente doloroso. Nunca esquecerei aquele seu reparo, tão bem aplicado: «Se tivesse agido de forma mais cavalheiresca.» Foram estas as suas palavras. Não sabe, nem poderá imaginar, como essas palavras me torturaram, embora, confesso-o, só algum tempo depois lhes tenha reconhecido a justiça.

- Estava, decerto, muito longe de esperar que elas lhe produzissem uma impressão tão forte. E nunca pensei que elas pudessem ser sentidas de tal modo.

- Acredito perfeitamente. Considerava-me naquela altura destituído de todos os sentimentos humanos, tenho a certeza. Nunca esquecerei a expressão do seu rosto ao dizer-me que nada a poderia ter persuadido a aceitar a minha mão.

- Oh! Não repita o que eu disse! Tais coisas não devem ser lembradas. Acredite-me, há muito tempo que me envergonho profundamente delas.

Darcy mencionou a sua carta.

- Acaso ela - disse ele - me reabilitou aos seus olhos? Acaso acreditou no que nela eu lhe dizia?

Ela explicou-lhe os efeitos que a sua carta lhe tinha produzido e como, gradualmente, a sua antipatia se foi dissipando.

- Eu sabia - disse ele - que o que tinha para lhe escrever a iria ferir, mas era necessário. Espero que tenha destruído a carta. Não descansarei enquanto não tiver a certeza de que não a tornará a ler, sobretudo o começo. Lembro-me de certas expressões que poderiam justificadamente provocar o seu ódio contra mim.

- A carta será queimada, se acredita que isso seja essencial para a preservação da minha estima; mas, embora tenhamos ambos razões para pensar que as minhas opiniões não são inteiramente inalteráveis, não creio, por outro lado, que sejam tão facilmente influenciáveis como parece supor.

- Quando escrevia aquela carta - replicou Darcy - pensava que me encontrava num estado de espírito perfeitamente calmo e frio, mas desde então descobri que a escrevera profundamente amargurado e triste.

- Talvez no princípio a carta denotasse uma certa amargura, mas ela não persistiu até final. A despedida era caridosa. Mas não pense mais na carta. Os sentimentos da pessoa que a recebeu e da pessoa que a escreveu são agora tão diferentes do que eram que todas as circunstancias dolorosas relativas a ela devem ser esquecidas. É preciso que aprenda um pouco da minha filosofia. Lembre-se apenas daquilo que lhe causa prazer.

- Não creio que necessite de qualquer filosofia do género na sua vida. As suas retrospecções devem ser tão totalmente desprovidas de mancha que o contentamento que delas extrai se deve não a uma filosofia, mas à ignorância, o que é muito melhor. Comigo, porém, não se passa o mesmo. Quando penso no passado, sou assaltado por dolorosas recordações que não podem, nem devem, ser repelidas. Toda a minha vida fui uma criatura egoísta, se não na prática, pelo menos nos meus princípios. Em criança ensinaram-me o que era certo, mas não me ensinaram a corrigir o meu génio. Deram-me bons princípios, mas deixaram-me segui-los baseado no meu orgulho e no meu conceito. Desafortunadamente filho único (durante muitos anos fui o seu único filho), fui mimado pelos meus pais, que, embora fossem bons (o meu pai, sobretudo, era a benevolência e a afabilidade em pessoa), permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e tirânico, a não me interessar por ninguém para além do círculo da família, a desprezar todo o resto do mundo e a minimizar o seu bom senso e o seu valor comparados com o meu. Assim fui eu dos oito aos vinte e oito; e assim permaneceria ainda se não fosses tu, minha querida e encantadora Elizabeth! O que eu não te devo! Deste-me uma lição, dura a princípio, mas muito vantajosa. Fui, por ti, devidamente humilhado. Fui até ti, sem duvidar de que me aceitarias. Foi então que me revelaste a insuficiência de todas as minhas pretensões para agradar a uma mulher digna de ser amada.

- Estava realmente persuadido de que eu me sentiria lisonjeada?

- Confesso que estava. Que pensa da minha vaidade? Acreditei mesmo que desejava e esperava as minhas propostas.

- A culpa talvez caiba aos meus modos, mas não agi intencionalmente, asseguro-lhe. Nunca tencionei iludi-lo. Como me deve ter odiado, a partir daquela noite!


- Odiá-la! Fiquei furioso, talvez, a princípio, mas a minha fúria em breve tomou a direcção acertada.

- Quase não ouso perguntar-lhe o que pensou de mim quando me encontrou em Pemberley. Censurou-me intimamente por lá ter ido?

- Não, de modo algum, senti apenas surpresa.

- A sua surpresa não foi menor do que a minha ao ser notada por si. A minha consciência dizia-me que eu não merecia nenhuma delicadeza extraordinária e confesso que não contava receber mais do que o que me era devido.

- O meu objectivo naquela ocasião - replicou Darcy - era mostrar-lhe, por toda a delicadeza ao meu alcance, que não era tão mesquinho que guardasse rancor pelo passado; e esperava obter o seu perdão e apagar a má opinião que tinha de mim, dando-lhe a entender que tinha acatado as censuras que me fizera. A partir de quando outros desejos se introduziram, não lhe posso precisar, mas creio que meia hora depois de a ter visto.

Darcy contou-lhe então o prazer que Georgiana tivera em conhecê-la e o desapontamento que sentira com a súbita interrupção da sua visita. Passou, naturalmente, a falar nas causas dessa interrupção, e Elizabeth ficou a saber que a resolução dele em partir em busca da sua irmã fora tomada ainda na hospedaria, e que, se naquela ocasião se mostrava grave e pensativo, era porque debatia no seu espírito tal ideia e tudo o que ela acarretava. Ela tornou a exprimir a sua gratidão, mas o assunto era demasiado penoso para ambos para que insistissem nele.

Após caminharem várias milhas sem destino e ocupados demais para se preocuparem com isso, descobriram finalmente, ao olharem para o relógio, que já tinha passado a hora de regressarem.

- Que será feito de Bingley e de Jane! - foi a observação que os introduziu na discussão do seu caso. Darcy estava encantado com o noivado; o seu amigo participara-lho sem demora.

- Devo-lhe perguntar se se surpreendeu? - disse Elizabeth.

-Não, de modo algum. Quando parti, já sabia que isso ia acontecer.

- Quer dizer, deu-lhe o seu consentimento. Bem me queria parecer. - E, embora ele protestasse contra o termo, ela percebeu que a sua suposição não estava muito longe da verdade.


- Na noite da minha partida para Londres - disse ele - fiz a Bingley uma confissão que há muito tempo lhe devia ter feito. Contei-lhe como tudo ocorrera, tornando absurda e impertinente a minha interferência na vida dele. Ele ficou muito surpreendido. Nunca suspeitara de nada. Disse-lhe, além disso, que tinha motivos para acreditar ter-me enganado quando lhe dissera que a sua irmã lhe era indiferente; e como, nessa altura, pude ver que a sua afeição por ela continuava inalterada, não duvidei da sua felicidade juntos.

Elizabeth não pôde deixar de sorrir pela facilidade com que ele conduzia o amigo.

- Baseou-se na sua própria observação - disse ela - quando lhe disse que a minha irmã gostava dele, ou apenas na minha informação da Primavera passada?

- Na minha observação. Durante as duas últimas visitas que aqui fiz, observei-a atentamente e fiquei convencido de que ela o amava sinceramente.

- E a sua certeza disso, suponho eu, em breve o convenceu a ele também.

- Sim. Bingley é extraordinariamente modesto. Foi isso que o impediu de confiar no seu próprio julgamento, mas a confiança que ele deposita em mim tornou tudo fácil. Fui obrigado a confessar-lhe uma coisa que durante vários dias o indispôs contra mim. Precisei de lhe dizer que tinha sabido da presença da sua irmã em Londres durante aqueles meses de Inverno e que propositadamente escondera o facto do conhecimento dele. Ele ficou furioso, mas estou persuadido de que a sua fúria durou apenas enquanto duvidava ainda dos sentimentos de sua irmã. Já me perdoou.




Elizabeth sentiu-se tentada a observar que o Sr. Bingley tinha sido um amigo encantador, tão fácil de conduzir que o seu valor era incalculável, mas conteve-se. Lembrou-se de que ele precisava ainda de aprender a que se rissem dele e que era um pouco cedo demais para começar. Ao prever a felicidade que esperava Bingley, que seria apenas menor que a sua, ele continuou a conversa até chegarem a casa. No vestíbulo, separaram-se.


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