Capítulo 47 - Sr. Bennet volta para casa
Todos esperavam receber, no dia seguinte, uma carta do Sr. Bennet, mas o correio chegou sem trazer quaisquer notícias dele. A família sabia que, em circunstâncias normais, ele era um correspondente negligente e desinteressado, mas, num momento daqueles, sempre esperavam que ele fizesse um esforço. Foram obrigados, portanto, a concluir que ele nada tinha de positivo a comunicar, mas apesar disso, gostariam de ter uma certeza. O Sr. Gardiner esperara pela carta, e, como esta não viesse, partiu sem demora.
Com a sua
partida, teriam, pelo menos, a certeza de receber informações mais frequentes
do que se ia passando; e, ao despedir-se, o Sr. Gardiner prometeu insistir com
o Sr. Bennet para que ele voltasse a Longbourn, o que muito consolou a irmã,
pois ela via nesse regresso a única possibilidade de o seu marido escapar de
ser morto em duelo. A Sr.a Gardiner e as crianças deveriam permanecer no
Hertfordshire durante mais alguns dias, pois achava ela que a sua presença
poderia ser de alguma utilidade para as suas sobrinhas. Ela ajudava-as junto da
Sr.a Bennet, o que lhes permitia gozar de algumas horas de liberdade. A sua
outra tia também aparecia com frequência, e sempre, como dizia, com o propósito
de lhes infundir coragem e confiança, embora nunca chegasse sem trazer um novo
exemplo da extravagância e da leviandade de Wickham, e raramente partia sem as
deixar mais desanimadas do que quando chegara.
Meryton em peso
parecia esforçar-se por denegrir o homem que três meses antes fora quase como
um anjo de bondade. Diziam que ele devia dinheiro a todos os comerciantes da
localidade e que as suas aventuras, todas designadas por «seduções», se tinham
estendido às famílias dos vários comerciantes. Todos eram unanimes em declarar
que ele era o homem mais perverso do mundo e todos começaram a descobrir que
sempre haviam desconfiado dele, apesar da sua aparência de distinção.
Elizabeth, embora só desse crédito a metade do que diziam, achava aquilo
suficiente para tornar ainda mais acertados os seus antigos prognósticos quanto
à desgraça da sua irmã. E até a própria Jane, que acreditava ainda menos do que
Elizabeth nas coisas que se diziam, perdeu quase todas as esperanças, sobretudo
porque chegara agora a altura de receber notícias ou cartas deles, caso
tivessem ido para a Escócia, coisa de que nunca desesperara inteiramente.
O Sr. Gardiner
deixara Longbourn no domingo. Na terça-feira a mulher recebeu uma carta dele.
Contava ele que tinha imediatamente encontrado o cunhado e que o convencera a
ir instalar-se na Rua Gracechurch. Que o Sr. Bennet já estivera em Epsom e
Clapham, mas que nada tinha sabido de concreto; e que ele estava agora decidido
a fazer indagações em todos os principais hotéis da cidade, pois achava
possível que eles se tivessem instalado em algum após a sua chegada a Londres e
antes de procurar novas acomodações. O Sr. Gardiner, pessoalmente, não tinha
muita fé no êxito de tal plano, mas, como o Sr. Bennet insistira nele, estava
resolvido a ajudá-lo. Acrescentava que de momento o Sr. Bennet não estava
disposto a deixar Londres e prometia escrever de novo muito em breve. Havia
ainda um post-scriptum que dizia o seguinte:
Escrevi igualmente
para o coronel Forster, pedindo-lhe que indagasse, se possível, entre os amigos
mais íntimos de Wickham, no destacamento, se este teria quaisquer parentes ou
relações que pudessem saber em que parte da cidade ele se encontra. Se acaso
entre essas pessoas houvesse alguém de quem se pudesse, com alguma
probabilidade, obter tal informação, isso teria uma importância talvez capital.
De momento, nada temos para nos guiar. Estou certo de que o coronel Forster
tudo fará para nos ajudar, mas, em última análise, talvez Lizzy, melhor do que
ninguém, saiba se ele tem parentes vivos.
Elizabeth
imediatamente compreendeu de onde provinha aquela deferência pela sua
autoridade no assunto, mas, infelizmente, não possuía informações que a
justificassem.
Nunca ouvira dizer
que ele tivesse quaisquer parentes, além do pai e da mãe, e ambos já haviam
falecido há muitos anos. Era possível, no entanto, que alguns dos seus
companheiros do regimento pudessem dar informações mais substanciais; e, embora
não alimentasse grandes esperanças a esse respeito, tal medida não era de
desdenhar.
Cada dia em
Longbourn era agora um dia de ansiedade; mas o momento mais angustioso era o da
chegada do correio. Eram esperadas cartas todas as manhãs, com a maior
impaciência; e cada dia que passava aguardavam notícias importantes.
Porém, antes de
tornarem a receber notícias do Sr. Gardiner, chegou uma carta para o Sr. Bennet
da parte do Sr. Collins; e, como Jane recebera instruções para abrir toda a
correspondência dirigida a seu pai na sua ausência, ela leu a carta. Elizabeth,
que sabia como as cartas do Sr. Collins eram curiosas e singulares, debruçou-se
sobre a irmã e leu também. Dizia o seguinte:
Meu caro senhor:
Sou chamado,
pelo nosso parentesco e pela minha situação na vida, a apresentar-lhe as minhas
condolências pela grande aflição porque está passando e da qual fomos ontem
informados por uma carta do Hertfordshire. Fique certo, meu caro senhor, de que
tanto eu como a Sr.a Collins os acompanhamos a todos sinceramente no vosso
actual sofrimento, que deve ser dos mais dolorosos, pois provem de uma causa
que jamais algum tempo poderá remover. Não faltarão argumentos da minha parte
para lhe aliviar tão grande infelicidade ou trazer-lhe qualquer conforto num
transe destes, que, entre todos, será o mais duro para o coração de um pai. A
morte da sua filha seria uma bênção, em comparação com o que lhe sucede agora.
E tudo isto é ainda mais de lamentar quando sabemos existirem razões para
supor, como a minha Charlotte me informou, que esta licenciosidade de conduta
da parte de sua filha se deve a uma excessiva e culposa indulgência; embora,
para seu consolo e da Sr.a Bennet, me sinta inclinado a acreditar na
perversidade inata das tendências de sua filha, ou nunca ela teria perpetrado
tio grande crime com tão pouca idade. Seja como for, o senhor merece toda a
nossa compaixão, no que sou acompanhado não só pela Sr.a Collins, como também
pela Lady Catherine e sua filha, que eu pus ao corrente de tudo o que se
passava. Todas concordaram comigo quanto às minhas apreensões de que este mau
passo de uma das suas filhas será prejudicial para o futuro de todas as outras.
Na verdade, quem, como Lady Catherine, ela própria, condescende em dizer, se
quererá relacionar com tal família? E tal consideração me leva a reflectir, com
satisfação crescente, num certo acontecimento do mês de Novembro passado, pois
de outro modo encontrar-me-ia envolvido em todas essas tristezas e desgraças.
Permita-me, pois, que o aconselhe, meu caro senhor, a consolar-se a si próprio o
mais que puder, a expulsar para sempre a sua filha indigna da sua afeição e deixá-la colher
os frutos do seu odioso crime. Sou, meu caro senhor, etc.
O Sr. Gardiner
não voltou a escrever senão quando recebeu uma resposta do coronel Forster; e,
quando o fez, nada tinha de agradável a comunicar. Não se sabia de um só
parente com quem Wickham mantivesse relações e era certo que ele não tinha
nenhum parente próximo ainda vivo. Contava com numerosos conhecimentos, mas,
desde que entrara para a milícia, parecia não manter relações com qualquer
deles. Não havia ninguém, portanto, a quem se pudessem dirigir e obter
informações sobre o seu paradeiro. No estado precário das suas finanças, o
casal tinha um motivo poderoso para a sua reclusão, além do medo de Wickham em
ser descoberto pelos parentes de Lydia. Foram informados de que ele tinha
contraído grandes dívidas ao jogo e o coronel Forster acreditava que seriam
precisas mais de mil libras para cobrir todas as despesas que o oficial deixara
em Brighton por pagar. Devia muito na cidade, mas as suas dívidas de honra eram
ainda maiores. O Sr. Gardiner não procurou esconder quaisquer detalhes da
família de Longbourn. Jane ouviu-os com horror.
- Um jogador! -
exclamou ela. - Isso não esperava eu.
O Sr. Gardiner
acrescentava ainda na sua carta que podiam contar com o regresso do Sr. Bennet
no dia seguinte, um sábado. Abatido pelo insucesso dos seus esforços, acabara
por se render às persuasões do cunhado para que voltasse para junto da sua
família e deixasse a seu cargo tudo o que lhe parecesse aconselhável para a
continuação das pesquisas. Ao ser informada do facto, a Sr.a Bennet não
exprimiu a satisfação que as filhas esperavam, dada a ansiedade que ela
manifestara pela vida do marido.
- O quê? - ela
exclamou. - Ele volta sem me trazer a nossa Lydia? Decerto que o Sr. Bennet não
vai abandonar Londres antes de ter encontrado os fugitivos. Quem, na ausência
dele, irá brigar com Wickham e forçá-lo a casar-se com ela?
Como a Sr.a
Gardiner começasse a sentir saudades de sua casa, ficou combinado que ela e as
crianças voltariam para Londres no dia da chegada do Sr. Bennet; e, de acordo
com o plano, a carruagem que os levou até metade do caminho trouxe na volta o
Sr. Bennet para Longbourn.
A Sr.a Gardiner
partiu, tão perplexa a respeito de Elizabeth e do seu singular amigo como
viera, desde o Derbyshire. O seu nome não fora mencionado pela sobrinha uma vez
sequer na presença deles; e a vaga esperança acalentada pela Sr.a Gardiner de
que Elizabeth em breve recebesse uma carta dele não fora correspondida.
Elizabeth nada recebera até então proveniente de Pemberley.
Os actuais
dissabores vividos na família tornavam desnecessária qualquer outra desculpa
para a depressão de Elizabeth; nada, portanto, havia a conjecturar fundamentado
«nisso», embora Elizabeth, que actualmente conhecia relativamente bem os seus
sentimentos, tivesse a noção perfeita de que, não tivesse ela encontrado de
novo o Sr. Darcy, teria suportado melhor a mágoa pela infâmia de Lydia. Poupar-lhe-ia,
pensava ela, uma noite de sono em cada dois dias.
Quando o Sr.
Bennet chegou, conservava a aparência da sua habitual serenidade filosófica.
Falou muito pouco, como também era seu hábito. Não mencionou o assunto que o
levara a Londres e só passado muito tempo as suas filhas tiveram coragem de se
referir a tal.
Apenas da parte
da tarde, à hora do chá, é que Elizabeth se aventurou a falar sobre o assunto.
Começou por se condoer das aflições por que o pai passara, ao que o pai lhe
respondeu:
- Não falemos
mais nisso. Quem deveria sofrer, senão eu mesmo? Foi tudo por minha culpa, sou
obrigado a reconhecê-lo.
- Não deve ser
severo de mais para consigo próprio - replicou Elizabeth.
- Por mais que
me previnas contra esse erro, a natureza humana tem uma grande tendência a cair
nele. Não, Lizzy, deixa que, pelo menos, uma vez na vida eu sinta o peso da
minha responsabilidade. Não receio ser esmagado pela impressão Tudo isto não
tardará a passar.
- Acha que eles
se encontram em Londres?
- Decerto, pois
em que outro local poderiam eles esconder-se?
- E Lydia sempre
desejou ir para Londres - acrescentou Kitty.
- Então, deve
estar muito feliz - disse o pai, secamente -; e, provavelmente, residirá aí
durante algum tempo.
Em seguida, após
um curto silêncio, continuou:
- Lizzy, não te
guardo rancor pelo conselho que me deste no mês de Maio passado; em vista do
que aconteceu, demonstra bem a tua capacidade.
Foram
interrompidos pela Menina Bennet, que vinha buscar o chá da sua mãe.
- Ora aí está
uma atitude - exclamou ele - que conforta uma pessoa; dá um toque de elegância
ao infortúnio. Um dia destes farei o mesmo. Recolherei à minha biblioteca, de
touca e camisa de dormir, e darei aos outros o maior trabalho possível, ou
talvez aguarde até Kitty fugir também.
- Eu não vou
fugir, pai - disse Kitty, inquieta. - Se me tivessem deixado ir para Brighton,
ter-me-ia comportado melhor do que Lydia.
- Tu, ires a
Brighton! Não te deixarei ir nem a Eastborn, que fica aqui ao lado. Nem por
cinquenta libras. Não, Kitty, pelo menos aprendi a ser prudente, e tu irás
sentir os seus efeitos. Nenhum oficial entrará jamais, daqui para o futuro, em
minha casa, nem que esteja só de passagem pela localidade. Os bailes ser-te-ão
absolutamente proibidos, a não ser que permaneças o tempo todo junto de uma das
tuas irmãs. E nunca passarás por esta porta sem primeiro provares que passas
diariamente dez minutos de forma sensata.
Kitty, que
levava todas aquelas ameaças a sério, pôs-se a chorar.
- Bom, bom -
disse ele -, não fiques triste, se te portares bem durante os próximos dez
anos, talvez te leve a ver uma parada militar.
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