quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 45 - Elizabeth recebe carta de Jane informando a fuga de Lydia

Capítulo 45 - Elizabeth recebe carta de Jane informando a fuga de Lydia

Elizabeth ficara muito desapontada por não encontrar, na sua chegada a Lambton, uma carta de Jane; e tal desapontamento era, desde que ali se encontrava, diariamente renovado. No terceiro dia, contudo, a sua expectativa foi recompensada e Jane justificada, pois recebeu da irmã duas cartas ao mesmo tempo, numa das quais vinha assinalado o seu transvio. Elizabeth não se surpreendeu, pois Jane escrevera o endereço de maneira quase ilegível.

Preparavam-se para sair quando as cartas chegaram, e os seus tios, querendo deixá-la à vontade com o seu correio, partiram sem ela. A carta extraviada deveria ser lida primeiro, pois fora escrita cinco dias antes. O começo continha o relato de todas as pequenas reuniões e divertimentos da família, assim como as últimas novidades da região; mas a segunda parte, que datava do dia subsequente e fora evidentemente escrita em grande agitação, traria notícias bem mais importantes, e versava assim:

Minha querida Lizzy, desde que encetei esta carta, aconteceu um facto inesperado e de extrema gravidade. Receio com isto assustar-te, mas asseguro-te que nos: encontramos todos bem. O que eu tenho para contar diz respeito à nossa pobre Lydia. Um mensageiro chegou ontem à noite, quando já nos encontrávamos todos deitados, vindo da parte do coronel Forster e dizendo que Lydia tinha partido para a Escócia com um dos seus oficiais; mais concretamente, com o Wickham! Imagina a nossa surpresa. Kity, porém, não pareceu tão surpreendida. Estou muito triste. Considero um casamento altamente imprudente para ambos; mas pretendo esperar o melhor e faço o possível por acreditar que o carácter dele foi mal compreendido. Ele será um inconsciente e um insensato, mas um acto como este não me parece revelar um mau coração. A sua escolha por Lydia é desinteressada; pois ele não deve ignorar que o nosso pai nada tem para dar à filha. A mãe, pobrezinha, está muito desgostosa, mas o pai suporta tudo isto muito melhor. Considero um feliz acaso nada lhes termos contado do que sabíamos contra ele; e, de momento, precisamos também esquecer tais coisas. Partiram no sábado por volta da meia-noite, ao que parece, mas a sua ausência não foi notada senão ontem de manhã, às oito. O mensageiro foi imediatamente enviado. Minha querida, eles devem ter passado a dez milhas de distância daqui. O coronel Forster diz que tem motivos para esperar para breve o regresso de Wickham. Lydia deixou algumas linhas escritas à Sr. Forster, informando-a da sua resolução. Preciso concluir, pois não posso manter-me muito tempo afastada da minha pobre mãe. Espero que compreendas esta carta, pois já nem sei bem o que escrevi.

Sem perder tempo a reflectir e sem saber exactamente quais eram os seus sentimentos, Elizabeth, ao acabar a carta, abriu imediatamente a outra, com grande impaciência, e leu o que se segue (a carta fora escrita um dia depois da conclusão da primeira):

Quando receberes esta carta, minha querida irmã, já terás em teu poder uma primeira. Faço votos para que a segunda seja mais inteligível, pois, embora com tempo suficiente a minha disposição, sinto a cabeça confusa que não me responsabilizo pela coerência das minhas palavras. Minha querida Lizzy, eu nem sei o que vou escrever; tenho más notícias para te dar e não posso adiar a sua comunicação. Por mais imprudente que seja o casamento do Sr. Wickham com a nossa pobre Lydia, vivemos agora na ânsia de obter a confirmação de que ele tenha sido realmente realizado, pois existem fortes motivos para acreditar que eles não foram para a Escócia. O coronel chegou aqui ontem, tendo saído de Brighton no dia anterior, poucas horas depois de ter enviado o expresso. Embora o bilhete de Lydia dirigido à Sr.a Forster desse a entender que eles tinham ido para Gretua Green, correu em Brighton que Denny dissera que, na sua opinião, Wickham não tencionava de modo algum ir para a Escócia, nem casar com Lydia. Ao saber disto, o coronel Forster ficou muito alarmado e saiu imediatamente de Brighton, com o intuito de ir no encalço dos fugitivos. Conseguiu descobrir facilmente o caminho que tinham tomado até Clapham, mas a partir dai não havia sinais da sua passagem, pois nesse local tomaram uma diligência e deixaram o carro que os trouxera de Epson. Tudo o que se sabe deles, depois disso, e que foram vistos na estrada para Londres. Não sei o que pensar! Após ter feito todas as indignações possíveis daquele lado, o coronel Forster voltou para o Hertfordshire, detendo-se em todas as encruzilhadas e hospedarias, em Barnet e Hartfield, mas sem qualquer resultado. Ninguém os tinha visto passar. Preocupado, por nossa causa, ele veio atenciosamente a Longbourn e revelou-nos as suas apreensões da forma mais delicada e honrosa para o seu carácter. Tenho uma pena sincera por ele e pela Sr.a Forster, mas ninguém os poderá acusar de nada. A nossa aflição é grande, minha querida Lizzy; os nossos pais acreditam no pior, mas eu não posso crer que ele seja assim tão perverso. É muito possível que Lydia e ele tenham julgado mais conveniente realizar o casamento em segredo, em Londres, e desistido do seu primeiro projecto; e mesmo que ele tenha desígnios tão perversos contra uma rapariga bem relacionada como a Lydia, o que não é provável, não posso crer que Lydia tenha perdido todo o juízo. É impossível! Lamento, no entanto, dizer que o coronel Forster não acredita no casamento. Ele abanou a cabeça quando lhe exprimi as minhas esperanças e disse que temia que Wickham não fosse um homem de confiança. Pobre mãe, ela está realmente abatida e não quer abandonar o quarto. Seria preferível que ela se esforçasse por reagir, mas não é provável. Quanto ao pai, nunca na minha vida o vi tão perturbado. Ele zangou-se muito com a pobre Kitty, por ela ter escondido aquele namoro, mas, como se tratava de um segredo, acho natural essa atitude da parte dela. Alegra-me, querida Lizzy, que algumas destas cenas penosas te tenham sido poupadas, mas agora não posso deixar de te dizer que anseio pelo teu regresso. Não serei, no entanto, egoísta ao ponto de pedir muita pressa, se isso te não convir. Até breve. Tomo novamente a minha pena para fazer o contrário do que acabo de te dizer, mas as coisas estão de tal modo que te suplico que venham todos o mais depressa possível. Conheço os tios muito bem e não receio fazer tal pedido. Aos primeiros terei outro pedido a fazer. O pai vai partir imediatamente para Londres com o coronel Forster, a fim de procurar os fugitivos. Numa circunstância como esta, os conselhos e auxilio de meu tio seriam inestimáveis. Ele compreenderá imediatamente o que eu sinto. Confio na sua bondade.

- Oh, onde estará o meu tio? - exclamou Elizabeth, dando um salto da cadeira mal acabara de ler a carta, na sua ansiedade de ir ter com ele sem perda de um minuto; mas, ao chegar à porta, esta foi aberta por um criado e o Sr. Darcy apareceu. A palidez do rosto de Elizabeth e os seus gestos agitados fizeram-no sobressaltar, e, antes que ele pudesse voltar a si e falar, ela, que apenas pensava na situação aflitiva de Lydia, exclamou precipitadamente:

- Sinto muito, mas tenho que deixá-lo. Preciso de encontrar o Sr. Gardiner imediatamente. O assunto é urgente e não tenho um instante a perder.

- Meu Deus, mas que terá acontecido? - exclamou ele, com mais inquietude do que cortesia. Mas, recompondo-se, acrescentou: - Não a deterei um instante, mas deixe que eu próprio vá chamar os Srs. Gardiner ou mande lá um criado. No estado em que está, quem não poderá ir é a menina.

Elizabeth hesitou, mas os joelhos tremiam-lhe tanto que ela compreendeu que não poderia ir muito longe. Chamando o criado, ela encarregou-o de partir imediatamente em busca dos patrões e dizer-lhes que voltassem para casa.

Depois de o criado ter saído, Elizabeth sentou-se, incapaz de se suster nas pernas por mais tempo. O seu estado era tão lamentável que Darcy compreendeu ser-lhe impossível deixá-la; e, num tom doce e apiedado, disse-lhe:

- Deixe que eu chame a sua criada. Quer tomar alguma coisa? Posso oferecer-lhe algum reconstituinte, um copo de vinho? Está indisposta.

- Não, obrigado - replicou ela, procurando dominar-se. - Nada tenho. Sinto-me perfeitamente bem. Estou apenas muito aflita por causa de más notícias que acabo de receber de Longbourn.

Ao aludir tal facto, ela começou a chorar e durante alguns minutos não conseguiu dizer palavra. Darcy, penalizado e aflito, pôde apenas exprimir vagamente a sua preocupação, e observá-la num silêncio de comiseração. Por fim, ela tornou a falar.

- Acabo de receber uma carta de Jane com terríveis notícias. Não é possível escondê-las de ninguém. A minha irmã mais nova abandonou todos os seus parentes... e fugiu; entregou-se a... Wickham. Partiram juntos de Brighton. Conheço-o bem de mais para não ter dúvidas quanto ao resto da história. Ela não tem dinheiro, relações, nada que o possa tentar. Esta perdida para sempre!

Darcy ficou imobilizado de espanto.


- E quando eu penso - acrescentou ela, num tom mais agitado - que eu própria poderia ter evitado isto, eu, que sabia quem ele era, se tivesse apenas revelado à minha própria família uma parte do que vim a saber; se o carácter dele fosse conhecido, nada disto teria acontecido. Mas agora é tarde, demasiado tarde.

- Estou profundamente desgostado - exclamou Darcy, aflito. - Mas isso é certo, absolutamente certo?

- Oh!, sim. Eles saíram de Brighton juntos, sábado à noite, e foram seguidos quase até Londres. Certamente não foram para a Escócia.

- E o que foi feito, que foi tentado para recuperá-la?

- Meu pai seguiu para Londres e Jane escreveu pedindo o auxílio imediato de meu tio. Partiremos, assim o espero, dentro de meia hora. Enquanto isso, nada mais poderá ser feito. Sei muito bem que nada há a fazer. Como obrigar um homem como aquele a proceder correctamente? Como, ao menos, descobrir o seu paradeiro? Não tenho qualquer esperança. É horrível!

Darcy abanou a cabeça, numa silenciosa aquiescência.

- Quando descobri qual era o verdadeiro carácter daquele homem... Oh!, se eu soubesse o que deveria fazer! Mas eu não sabia... tinha medo de ir demasiado longe. Que asneira, meu Deus!

Darcy não respondeu. Ele mal parecia ouvi-la e caminhava de um lado para o outro na sala, em profunda meditação, as sobrancelhas vincadamente franzidas e a expressão sombria. 

Elizabeth imediatamente compreendeu o que a sua ascendência sobre Darcy não sofreria. Nada poderia resistir a uma tal demonstração de fraqueza da parte de sua família, a tão grande escândalo. Não se surpreendia, nem o condenava. Considerou que ele exercia sobre si mesmo um grande domínio, mas isso não lhe trouxe qualquer consolação; e nunca Elizabeth sentira tão claramente como naquele momento, quando todo o amor era vão, que poderia tê-lo amado.

Mas as considerações pessoais, embora ocorressem, não a absorviam. Lydia, a humilhação e a desgraça que ela estava causando à família dominaram desde logo todos os pensamentos de carácter particular; e, cobrindo o rosto com o lenço, Elizabeth esqueceu tudo o mais. Após uma pausa de vários minutos, a voz do companheiro fê-la voltar à realidade; e no tom daquela voz, se transparecia a piedade, havia também constrangimento:

- Creio que há muito que estará desejando a minha ausência - disse Darcy -e, a não ser a minha simpatia sincera, porém, inútil, nada lhe posso oferecer que justifique a minha presença. Oxalá eu pudesse fazer ou dizer algo que a consolasse; mas não a atormentarei mais, exprimindo os meus vãos desejos e como que solicitando propositadamente a sua gratidão. Receio bem que este infeliz acontecimento impeça minha irmã de a ver hoje à noite em Pemberley.

- Oh, sim, tenha a bondade de apresentar as nossas desculpas à Menina Darcy. Diga-lhe que assuntos urgentes nos obrigam a voltar imediatamente. Esconda a infeliz verdade por tanto tempo quanto puder. Sei que não poderá ser por muito tempo.

Ele assegurou-lhe prontamente que poderia contar com a sua discrição, tornou a exprimir o seu pesar por tão grande aflição, desejou que o caso tivesse uma conclusão mais favorável do que no momento era possível esperar e, deixando cumprimentos para o Sr. e Sr.a Gardiner, com um grave olhar de despedida, apenas, foi-se embora.

Após ele ter abandonado a sala, Elizabeth sentiu que era muito pouco provável que eles jamais se tornassem a encontrar em termos tão cordiais como os que tinham marcado os seus vários encontros no Derbyshire; e, ao lançar um olhar retrospectivo sobre a súmula das suas relações com Darcy, súmula tão prenhe de contradições e surpresas, não pôde deixar de suspirar pela perversidade daqueles sentimentos que agora teriam promovido a sua continuação, quando anteriormente rejubilariam pela sua cessação.

Se a gratidão e a estima são fundamentos suficientes para a afeição, a alteração no sentir de Elizabeth não seria nem improvável nem inadequada. Mas se, pelo contrário, a afeição oriunda de tais motivos é insensata e pouco natural, comparada com aquela que em geral dizem originar-se no próprio instante do encontro e mesmo antes de qualquer palavra ser trocada, nada poderá ser dito em defesa de Elizabeth, a não ser que ela experimentou esse último método com Wickham e que o seu fracasso talvez a autorize a procurar a outra espécie menos interessante de afeição. Seja como for, foi com tristeza que ela o viu partir. E, ao reflectir sobre aquele infeliz acontecimento, encontrou um motivo adicional de angústia por pensar que aquele era apenas um exemplo dos males que a leviandade de Lydia poderia causar. Nem por um só instante, desde que lera a segunda carta de Jane, Elizabeth tivera a esperança de que Wickham tencionasse realmente casar-se com a sua irmã. Ninguém, a não ser Jane, pensou ela, poderia alimentar tais esperanças. A surpresa fora o menos que ela sentira naquela ocasião. Ao lembrar-se do conteúdo da primeira carta, ela surpreendia-se enormemente que Wickham pretendesse alguma vez casar com aquela rapariga sem meios de fortuna ou que Lydia estivesse sequer apaixonada por ele. Mas agora achava tudo perfeitamente natural. Numa aventura daquelas, ela teria encontrado o encanto suficiente; e, embora Elizabeth não supusesse que Lydia consentisse deliberadamente numa fuga sem intenção de casamento, tinha razões para acreditar que nem a virtude nem o entendimento da irmã a preservariam de se tornar numa presa fácil.

Enquanto o destacamento permanecera no Hertfordshire, nunca ela dera por que Lydia manifestasse qualquer preferência por Wickham; mas tinha, porém, a consciência perfeita de que Lydia se apegaria a quem quer que a encorajasse. Entre os oficiais, ela mudava constantemente de favorito, conforme as atenções de que eles a rodeavam. Os seus entusiasmos sofriam continuas flutuações, mas nunca sem motivo; e só agora Elizabeth compreendia o erro que houvera em confiar demasiado numa rapariga daquela índole. E de que maneira ela o sentia!

Elizabeth ansiava por se achar em sua casa, para ver, ouvir e compartilhar com Jane os cuidados que numa situação destas deveriam cair sobre ela, numa família tão desorganizada, com o pai ausente e a mãe incapaz de um esforço e exigindo constantes atenções; e, embora praticamente persuadida de que nada poderia ser feito por Lydia, a interferência de seu tio parecia-lhe ser da maior importância, e a sua impaciência tornou-se intolerável enquanto não o viu entrar na sala. O Sr. e a Sr.a Gardiner tinham regressado apressadamente, alarmados, supondo, pela versão do criado, que a sua sobrinha tivesse adoecido subitamente. Após tranquilizá-los sobre esse ponto, Elizabeth não perdeu tempo em revelar-lhes a verdadeira causa de tudo aquilo. Leu as duas cartas em voz alta e insistiu no post-scriptum da última com trémula veemência, embora Lydia nunca tivesse sido a favorita de seus tios. O Sr. e a Sr.a Gardiner mostraram-se profundamente afectados, e não apenas por causa de Lydia. E. após as primeiras exclamações de surpresa e de horror, o Sr. Gardiner prontamente se pôs à disposição, prometendo fazer tudo o que lhe fosse possível. Elizabeth, embora nunca duvidando de tal atitude da sua parte, agradeceu-lhe com lágrimas de gratidão; e, como todos os três viviam na mesma tensão, os pormenores relativos à viagem foram rapidamente combinados. 


Resolveram partir naquele mesmo instante.

- Mas que faremos com respeito a Pemberley? - exclamou a Sr.a Gardiner. - John disse-nos que o Sr. Darcy se encontrava aqui quando nos mandaste chamar. É verdade?

- Sim, e eu disse-lhe que não contasse conosco. Por esse lado, está «tudo» resolvido.

«Está tudo resolvido!», repetiu a outra de si para si, enquanto corria para o quarto a fim de se preparar. «Será que eles estão em termos tais que ela lhe possa revelar toda a verdade? Oh!, como eu desejaria sabê-lo!

Mas eram desejos vãos: ou, pelo menos, apenas serviriam para distraí-la da pressa e confusão da hora que se seguiu. E, se Elizabeth tivesse tido tempo para entregar-se a si e aos seus pensamentos mais íntimos, nunca encontraria igual distracção, pois o seu desespero não o permitiria. Ela também tinha muito em que se ocupar; e, entre outras coisas, precisava de escrever bilhetes para todos os seus amigos em Lambton, apresentando desculpas pela partida tão repentina. Dentro de uma hora tudo estava pronto; e como, entretanto, o Sr. Gardiner tratara da conta da hospedaria, nada lhes restava fazer senão partir; e Elizabeth, depois de todas as aflições da manhã, encontrou-se, mais cedo do que esperava, instalada na carruagem e a caminho de Longbourn.

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