quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capítulo 8 - Elizabeth em casa do Sr. Bingley



Por volta das cinco horas, as duas senhoras retiraram-se, para se vestir, e às seis e meia Elizabeth foi chamada para jantar. Às perguntas que, ditadas pelas boas maneiras, sobre ela choveram, e entre as quais teve o prazer de distinguir a sincera solicitude do Sr. Bingley, não pôde, contudo, dar uma resposta favorável. Jane não se encontrava de modo algum melhor. As irmãs, ao ouvirem-na repetiram por três ou quatro vezes quanto isso as entristecia, que terrível era uma constipação, e como elas próprias detestavam adoecer; porém, passado esse momento, não mais voltaram a tocar no assunto, e a sua indiferença por Jane quando não na presença dela restituiu a Elizabeth toda a sua antipatia original.

O irmão era, de fato, o único que ela encarava com alguma complacência. A sua ansiedade por Jane era evidente e as atenções que ele lhe dispensava a ela própria bastante agradáveis, pois que a impediam de se sentir uma intrusa, como ela acreditava ser considerada por todos os outros. Só ele parecia dar pela sua presença. A Menina Bingley estava absorvida no Sr. Darcy e a irmã pouco menos que isso; quanto ao Sr. Hurst, ao lado de quem Elizabeth se sentava, não passava de um indolente, que vivia apenas para comer, beber e jogar às cartas, e que, descobrindo que ela preferia um prato simples a um bom guisado, nada mais encontrou para lhe dizer.

Terminado o jantar, Elizabeth voltou imediatamente para junto de Jane, e, mal ela saiu da sala, a Menina Bingley começou a criticá-la. Classificou as suas maneiras de rudes, um misto de orgulho e impertinência; e que ela não tinha nem conversa, nem estilo, nem gosto, nem beleza sequer. A Sr.a Hurst era da mesma opinião e acrescentou:

- Ela não tem, em resumo, nada que a recomende, excepto ser uma óptima caminhante. Nunca esquecerei como ela nos apareceu esta manhã. Quase parecia uma rústica.

- Tens razão, Louisa. Eu mal me podia conter. Que disparate vir assim! Qual a necessidade de alvorar por esses campos fora, apenas porque a irmã se constipou? E o cabelo dela, que emaranhado ele vinha.

- Sim, e o saoite, reparaste nele? Sujo de lama até uma altura de, pelo menos, seis polegadas. Ela bem o tentava esconder com o vestido, mas sem grande êxito.

- O retrato que nos ofereces pode ser muito exacto, Louisa - disse Bingley -, mas a mim pouco me diz. Achei a Menina Elizabeth Bennet deveras encantadora, quando ela nos apareceu na saleta, esta manhã. Quanto ao saiote enlameado, nem sequer dei por ele.

- Mas estou certa de que o Sr. Darcy reparou nele, não reparo? - disse a Menina Bingley -, e quer-me parecer que o senhor não gostaria de ver «sua irmã» fazer tal exibição.

- Claro que não.

- Percorrer três, quatro ou cinco milhas, ou lá o que é, com lama pelos tornozelos e completamente sozinha! Que quereria ela com isso? A mim, parece-me tal atitude revelar uma independência abominável e presunçosa, além de uma total indiferença provinciana pelo decoro.

- Revela um afeto por sua irmã digno de menção - disse o Sr. Bingley.

- Receio bem, Sr. Darcy - observou a Menina Bingley num sussurro -, que esta aventura tenha de certo modo afectado a sua admiração pelos seus lindos olhos.

- De maneira nenhuma - replicou ele -, estavam, graças ao exercício, mais brilhantes do que nunca.

Seguiu-se uma pequena pausa, e a Sr.a Hurst tornou de novo:

- Tenho a maior consideração por Jane Bennet, pois ela é, de fato, uma rapariga amorosa, e é do coração que a desejo bem instalada na vida. Contudo, com uns pais como os dela, e de relações tão insignificantes, receio bem que não o venha a conseguir.

- Creio ter-te ouvido dizer que o tio delas é delegado de procuração em Meryton.

- Sim; e têm ainda um outro, que vive algures perto de Cheapside.

- É admirável - acrescentou a irmã, e ambas riram com gosto.

- Mesmo que ela tivessem tios em quantidade que enche se todo o Cheapside - exclamou Bingley -, não seria isso que as tornaria menos encantadoras.

- Mas deve diminuir lhes consideravelmente as probabilidades de se casarem com algum homem de destaque - replicou Darcy.

Bingley não deu qualquer resposta, mas as irmãs concordaram vivamente, gracejando durante algum tempo à custa das relações plebeias da sua querida amiga.

Foi, no entanto, com renovada ternura que se dirigiram ao quarto dela, e aí permaneceram até serem chamadas para o chá. O estado de Jane inspirava ainda sérios cuidados e Elizabeth não deixou a sua cabeceira senão muito tarde, quando, vendo-a a dormir, resolveu, mais por dever que por outra coisa, descer até à sala. Quando entrou, encontrou-os a todos na mesa de jogo e imediatamente foi convidada a juntar-se-lhes, mas, receando que jogassem caro, declinou o convite e, desculpando-se com a irmã e o pouco tempo disponível, disse preferir entreter-se com um livro. O Sr. Hurst não escondeu o seu espanto.

- Diz preferir ler a jogar? - disse ele. - Que coisa estranha.

- A Menina Elizabeth Bennet - disse a Menina Bingley - tem desprezo pelas cartas. Ela é uma grande leitora, e, para além disso, nada lhe dá prazer.

- Não mereço nem tal louvor, nem tal censura - exclamou Elizabeth -; «não» sou uma grande leitora, e são muitas as coisas que me dão prazer.

- Que é com prazer que cuida de sua irmã, tenho eu a certeza - disse o Sr. Bingley -; e espero que em breve o sinta duplicar por a ver completamente restabelecida.
Elizabeth agradeceu-lhe, profundamente reconhecida, e em seguida dirigiu-se a uma mesa, em cima da qual se encontravam vários livros. O Sr. Bingley imediatamente se ofereceu para lhe ir buscar outros - todos os que a sua biblioteca pudesse dispor.

- E desejaria que a coleção fosse maior, tanto para benefício da menina como para crédito meu; mas sou um preguiçoso, e, embora não tenha muitos, tenho mais do que aqueles que alguma vez chegarei a ler.

Elizabeth assegurou-lhe que se contentaria perfeitamente com os que tinha na sala.
- Espanta-me - disse a Menina Bingley - que o meu pai tenha deixado uma colecção de livros tão pequena. Que maravilhosa biblioteca a sua de Pemberley, Sr. Darcy!

- Não podia deixar de ser boa - replicou ele -, pois ela representa o trabalho de muitas gerações.

- E, além disso, o senhor tem-na aumentado bastante pois está sempre a comprar livros.

- Numa época como a nossa, não compreendo que se descure uma biblioteca de família.

- Descurar! Tenho a certeza de que o senhor não descura nada que possa aumentar as belezas de local tão notável. Charles, quando construíres a «tua» casa, gostava que fosse aproximadamente tão bonita como Pemberley.

- Quem me dera.

- Por isso te aconselho a fazer a tua aquisição naqueles arredores e tomar Pemberley como uma espécie de modelo. Não há em Inglaterra província mais bela que o Derbyshire.

- Mas com certeza; até comprava Pemberley, se Darcy o vendesse.

- Estou só a falar de possibilidades, Charles.

- Palavra de honra, Caroline, que acho mais possível comprar Pemberley que adquirir um por imitação.

Elizabeth tinha a sua atenção tão presa no que se passava que se esqueceu do livro no regaço; pondo-o em breve definitivamente de lado, aproximou-se da mesa e, colocando-se entre o Sr. Bingley e a irmã mais velha, pôs-se a observar o jogo.

- A Menina Darcy cresceu muito desde a Primavera? - perguntou a Menina Bingley -; será que ela já está mais alta do que eu?

- Penso bem que sim. Será aproximadamente da altura da Menina Elizabeth Bennet, ou talvez mais alta ainda.

- Anseio tanto por tornar a vê-la! Nunca encontrei ninguém que me encantasse tanto. Que porte o seu, e que maneiras!... e já tão prendada para a sua idade!... toca piano divinalmente.

- Espanta-me - disse o Sr. Bingley - que as raparigas tenham paciência para se tornarem tão prendadas como todas elas o são.

- Todas elas prendadas! Meu caro Charles, que queres tu dizer?

- Sim, todas elas, creio eu. Todas elas pintam mesas, forram biombos e tecem bolsinhas. Não conheço nenhuma que não faça tudo isto, e tenho a certeza de nunca ter ouvido falar pela primeira vez de uma rapariga sem ser informado de que ela era muito prendada.

- A tua lista de dotes de alcance vulgar - disse Darcy - tem muito de verdade. A palavra é aplicada a mais de uma mulher que não a merece para além de tecer uma bolsinha ou forrar um biombo. Mas estou longe de concordar contigo na tua apreciação das mulheres em geral. De todas as que conheço, não me posso gabar de conhecer mais de meia dúzia verdadeiramente dotadas.

- Nem eu, posso afirmá-lo - disse a Menina Bingley.

- Nesse caso - observou Elizabeth -, exige bastante de uma mulher para a considerar verdadeiramente prendada.

- Assim é, de facto - disse o Sr. Darcy.

- Oh!, mas com certeza! - exclamou a sua fiel acólita. - Nenhuma se poderá considerar realmente prendada se não ultrapassar de longe a média. Uma mulher, para merecer tal qualificação, deve ter um conhecimento profundo sobre música, canto, desenho, dança e línguas modernas; e, além de tudo isto, deve possuir ainda o seu quê na maneira de se mover e estar, no tom da voz, trato e expressões, ou só merecerá a qualificação em parte.

- Tudo isto ela deve possuir - acrescentou Darcy - e a tudo isto ela deve juntar ainda algo de mais substancial, que é a prática assídua da leitura para o desenvolvimento do seu espírito.

- Por isso não admira que o senhor conheça apenas seis mulheres prendadas. Chego mesmo a duvidar que conheça alguma.

- Menospreza assim tanto o seu sexo que duvide da possibilidade de tudo isto?

- Nunca encontrei tal mulher. Nunca encontrei tanta capacidade, gosto, aplicação e elegância juntas, tal como o senhor o descreve.

A Sr.a Hurst e a Menina Bingley protestaram veementes contra a injustiça da dúvida implícita, e ambas afirmavam conhecer mais de uma mulher que correspondia à descrição, quando o Sr. Hurst as chamou à ordem, repreendendo-as severamente pela falta de atenção ao jogo que tinham na frente. Como a conversa encontrara assim o seu termo, Elizabeth pouco depois abandonou a sala.

- Eliza Bennet-disse a Menina Bingley mal a porta se fechou - é o género de rapariga que procura evidenciar-se aos olhos do sexo oposto menosprezando o seu; e creio que com a maioria dos homens ela atinge o seu fim. Contudo, na minha opinião, não passa esse de um ignóbil estratagema, um truque verdadeiramente mesquinho.

- Sem dúvida - replicou Darcy, a quem sobretudo se dirigia a observação - que existe mesquinhez em «todos» os truques empregues pela mulher para cativar. Tudo o que se assemelha a astúcia é desprezível.

À Menina Bingley não satisfez totalmente a resposta, de modo a prosseguir no mesmo assunto.

Elizabeth juntou-se-lhes de novo, apenas para lhes participar que a irmã se sentia pior e que ela não a poderia abandonar. 
Bingley falou em chamar de urgência o Sr. Jones, enquanto as irmãs, certas da sua incompetência provinciana, recomendaram que se requeresse a presença de um dos médicos mais eminentes da capital. Elizabeth nada disto quis ouvir, mas não deixou, contudo, de considerar a proposta do irmão, ficando combinado que logo pela manhã se convocaria o Sr. Jones, caso no estado da Menina Bennet não se registrasse uma melhoria considerável. Bingley ficou deveras preocupado e as irmãs arvoraram o seu ar mais infeliz. Elas, porém, aliviaram a sua miséria com duetos após a ceia, enquanto ele procurou o conforto nas recomendações feitas à governanta para que nada faltasse a senhora doente e à irmã.

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