quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 39 - Elizabeth e Jane conversam após chegarem em casa


Capítulo 39

Elizabeth e Jane conversam após chegarem em casa 


Elizabeth não conseguiu refrear por mais tempo a sua impaciência em contar a Jane o que lhe tinha sucedido; e, finalmente, resolvendo omitir todos os detalhes que dissessem respeito a sua irmã e prevenindo-a de que ia ficar imensamente surpresa, contou-lhe, na manhã seguinte, grande parte da cena que se passara entre o Sr. Darcy e ela própria.

O assombro da Menina Bennet foi, a princípio, grande, mas em breve foi mitigado pela sua forte afeição fraternal, que tornava qualquer admiração por Elizabeth perfeitamente natural, acabando por toda a surpresa se perder no âmago dos outros sentimentos. Era, realmente, lamentável que o Sr. Darcy tivesse manifestado a sua afeição de forma tão pouco cativante; mas o que mais a entristeceu foi o desgosto que a recusa de sua irmã lhe teria causado.

- A certeza que ele tinha do seu êxito foi despropositada - disse Jane -; e não deveria tê-la deixado transparecer; mas não te esqueças de como isto torna ainda mais cruel o seu desapontamento.

- Com efeito - disse Elizabeth -, tenho muita pena dele; mas o Sr. Darcy tem outros sentimentos que provavelmente expulsarão dentro em breve a admiração que ele possa ter por mim. Não me censuras por o ter recusado, não?

- Censurar-te! Oh, não.

- Mas censuras-me por ter aludido tão calorosamente a Wickham?

- Não, não tenho conhecimento de causa para apontar o mal naquilo que tu disseste.

-Mas em breve o terás, quando te contar o que se passou na manhã seguinte.


Elizabeth falou então na carta, repetindo tudo o que ela continha na parte referente a Wickham. Foi um grande choque para a pobre Jane, que de bom grado passaria pelo mundo sem se aperceber de que existia nele tanta maldade como a que se concentrava aqui num só indivíduo. Nem mesmo a justificação de Darcy, grata aos seus sentimentos, era suficiente para a consolar de tal descoberta. Com grande seriedade, Jane procurou ainda provar que havia uma possibilidade de erro, tentando ilibar um deles sem acusar o outro.

- Isso de nada serve, minha querida Jane - disse Elizabeth
-; nunca conseguirás descobrir a maneira de provar que ambos são bons. Faz a tua escolha, mas terás de te contentar apenas com um deles. As qualidades dos dois reunidas dariam um homem bom; mas ultimamente as situações têm-se invertido várias vezes. Quanto a mim, estou inclinada a acreditar no Sr. Darcy, mas tu podes escolher o que quiseres.

Passou-se algum tempo, contudo, antes que um sorriso aparecesse no rosto de Jane.

- Não me lembro de ter alguma vez sofrido tamanha desilusão - disse ela. - Wickham é assim tão má rês?! E quase inacreditável. E coitado do Sr. Darcy! Imagina só, Lizzy, o que ele não terá sofrido. Que decepção! E saber, para mais, a má opinião que tu tinhas dele! E ter de revelar tal coisa da sua própria irmã! É, realmente, muito triste. Creio que sentirás como eu.

- Oh!, não! Toda a minha compaixão e remorso se dissipam ao ver-te tão atormentada pelos mesmos sentimentos. Confio tanto na tua capacidade de o redimir que cada vez me sinto mais despreocupada e indiferente. A tua generosidade dispensa bem a minha, e, se continuas lamentando-o por muito mais tempo, o meu coração ficará tão leve como uma pena.

- Pobre Wickham! O rosto dele parece exprimir tanta bondade! E os seus modos são tão abertos e simpáticos.

- Houve, decerto, um grande erro na educação desses dois jovens. Um deles tem todas as qualidades e o outro apenas a aparência.

- Nunca achei, verdadeiramente, que o Sr. Darcy aparentasse aquilo que tu lhe vias.

- E, no entanto, considerava-me invulgarmente perspicaz ao tomar tão violentamente partido contra ele, sem qualquer fundamento. Uma antipatia tão forte como a que eu tinha por ele é um grande incentivo da inteligência e abre o caminho para a ironia. Uma pessoa pode gracejar sem nada exprimir de justo, mas não pode rir a vida inteira de um homem sem volta e meia esbarrar com algo de espirituoso.

- Lizzy, estou certa de que quando leste a carta pela primeira vez não encaravas as coisas do modo como o fazes agora.

- Realmente, nessa altura não o podia. Fiquei muito perturbada, posso dizer infeliz, até. E depois, não tinha ninguém com quem me abrir, não tinha uma Jane para me consolar e dizer-me que eu não tinha sido tão fraca, leviana e insensata como eu sabia que o fora. Oh!, como eu desejei ter-te junto de mim!

- Foi pena teres usado expressões tão violentas falando de Wickham ao Sr. Darcy, pois agora vê-se claramente quão imerecidas elas foram.

- Certamente. Mas a infelicidade de ter falado tão amarguradamente foi uma consequência natural dos preconceitos que eu vinha alimentando dentro de mim. Há um ponto sobre o qual eu necessito do teu conselho. Gostava que me dissesses se devo ou não revelar aos nossos conhecidos qual o verdadeiro carácter do Sr. Wickham.

A Menina Bennet fez uma pequena pausa e respondeu:

- Acho que não há motivo para tão terrível denúncia. Que pensas tu própria sobre isso?

- Penso não dever dar tal passo. O Sr. Darcy não me autorizou a tornar públicas as suas revelações; pelo contrário, rogou-me que guardasse para mim todos os pormenores relativos ao episódio passado com sua irmã. E, se eu não mencionar este facto capital, quem me acreditará? A má vontade que se generalizou contra o Sr. Darcy é de tal modo violenta que metade da população de Meryton preferiria morrer a vê-lo colocado sob uma luz mais favorável. Não me sinto com forças para luta tão feroz. Wickham em breve partirá; e, posto isso, pouco importa que ninguém aqui saiba qual o seu verdadeiro carácter. Algum dia ele acabará por ser desmascarado, e nessa altura poderemos rir das estupidez dos outros por não o terem adivinhado há mais tempo. De momento, nada direi.

- Tens toda a razão. Denunciar publicamente os seus erros poderia representar para ele a ruína de toda a sua vida. Quem sabe se ele já não se arrependeu do que fez e vive ansioso por refazer a sua reputação. Não deveremos fazê-lo desesperar.

Esta conversa servia de grande ajuda a Elizabeth para pôr um pouco de ordem no tumulto dos seus pensamentos. Libertara-se dos dois segredos que lhe pesavam há quinze dias e encontrara em Jane uma ouvinte atenta e interessada, que não hesitaria em prestar-se de boa vontade a uma nova conversa sobre o assunto. Havia, porém, algo mais que se escondia na sombra e que a prudência de Elizabeth a impedia de desvendar. Não ousava relatar a Jane a outra metade da carta de Darcy, nem revelar-lhe quão sinceramente Bingley correspondera ao seu afecto. Esse segredo não poderia ela compartilhar com ninguém; e tinha a consciência perfeita de que só se veria livre dele quando entre ambos se restabelecesse um entendimento perfeito. «E então», pensou ela, «se acaso tal acontecimento deveras improvável tomar alguma vez lugar, apenas me limitarei a repetir o que o próprio Bingley terá dito de forma bem mais agradável. Tal comunicação só poderá ser feita por mim, quando ela tiver perdido todo o seu valor!»

De momento, instalada na sua casa, ela tinha toda a oportunidade de observar o verdadeiro estado dos sentimentos de sua irmã. Jane não estava feliz. Ela conservava ainda muito viva a sua afeição por Bingley. Como nunca anteriormente se julgara apaixonada, esses sentimentos tinham todo o calor e toda a frescura de um primeiro amor, e, devido ao seu carácter e idade, maior firmeza do que essas primeiras paixões em geral possuem. Ela guardava em tão fervoroso culto a lembrança de Bingley e de tal modo o preferia a qualquer outro homem que precisava lançar mão de todo o seu bom senso e de toda a sua consideração dos sentimentos alheios para dominar aquelas tristezas, que corriam o risco de tornar-se prejudiciais à sua saúde e à tranquilidade das pessoas que a rodeavam.

- Então, Lizzy - disse a Sr.a Bennet, um dia -, qual, agora, a tua opinião do insucesso de Jane? Quanto a mim, estou decidida a não falar mais no assunto a ninguém. Foi o que disse à minha irmã Philips, no outro dia. Mas não consigo perceber se Jane se avistou com ele em Londres. Bem, isso só revela que ele não a merece, e suponho que ela não terá qualquer possibilidade de reave-lo. Nada se diz sobre se ele sempre vem passar o Verão a Netherfield. Já tratei de o indagar, mas ninguém me soube responder.

- Creio bem que ele nunca mais voltará a Netherfield.

- Oh, pois bem! Ele fará o que quiser. Ninguém lhe pede que volte. Mas eu continuarei dizendo que ele se portou de maneira muito desleal para com a minha filha; e, no lugar dela, eu nunca o teria admitido. Resta-me a consolação de que Jane morrerá de desgosto, e nessa altura ele arrepender-se-á do que fez.

Mas, como Elizabeth não via consolação em tal prognóstico, preferiu não responder.

- Então, Lizzy - continuou sua mãe -, pelo que me contas, os Collins não querem melhor vida, não é? Muito bem, posto que isso dure. E que tal se come em casa deles? Charlotte é uma excelente dona de casa, creio eu. Se ela é tão económica como a mãe, devem estar pondo bastante dinheiro de lado. Extravagância é coisa que não se ouve falar em casa deles, não?

Assim é, de facto.

- Eles velam por uma boa administração dos seus haveres, podes estar certa. Sim, sim, aqueles nunca correrão o risco de gastar mais do que aquilo que tem. Nunca terão dificuldades de dinheiro. Ora, que isso lhes sirva de muito bom proveito! E, naturalmente, eles estão constantemente arquitectando planos sobre Longbourn, depois da morte de teu pai, não? Consideram-no já propriedade sua.

- Foi esse um assunto que nunca mencionaram na minha frente.

- Claro! Era só o que faltava. Mas não duvido que discutem o assunto amiúde entre eles. Pois bem, se eles não têm quaisquer escrúpulos em apoderar-se dos bens que legalmente não lhes pertencem, tanto melhor para eles. Eu, no seu lugar, esconder-me-ia de vergonha.

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