Capítulo 55 - Lady Catherine vai até Longbourn e confronta Elizabeth, ameaçando-a para que não aceite a proposta de Darcy
Certa manhã, uma
semana após o noivado de Bingley e Jane, encontrava-se aquele e o resto da
família reunidos na sala de jantar, quando a sua atenção foi, de súbito,
despertada pelo ruído de uma carruagem; e, chegando perto de uma janela, viram
tratar-se de um coche puxado por quatro cavalos que se aproximava de casa. Era
demasiado cedo para uma visita e, além disso, aquela equipagem não era a de
nenhum dos vizinhos. Tanto a carruagem, puxada por cavalos de posta, como a
libré do criado que a precedia, lhes eram desconhecidos. Como não se punham
dúvidas de que se tratava de alguém que chegava, Bingley imediatamente propôs à
Menina Bennet que evitassem o intruso e fossem dar uma volta pelo bosque. Eles
saíram e as três pessoas restantes continuaram conjecturando, mas sem grande
êxito, até que a porta se abriu e a visita entrou. Era Lady Catherine de
Bourgh.
Todas se tinham
naturalmente preparado para uma surpresa, mas o seu espanto foi muito maior do
que esperavam; e o da Sr.a Bennet e de Kitty, embora não soubessem de quem se
tratava, inferior ainda ao que Elizabeth experimentou.
Ela entrou na
sala com um ar ainda menos afável do que o costume, respondeu à saudação de
Elizabeth com uma ligeira inclinação da cabeça e sentou-se, sem dizer uma
palavra.
Elizabeth
mencionara o nome da visitante à sua mãe, embora Lady Catherine tivesse
solicitado uma apresentação.
A Sr.a Bennet,
assombrada e ao mesmo tempo envaidecida por receber uma visita tão importante,
acolheu-a com demonstrações de grande delicadeza. Depois de permanecerem
sentadas durante algum tempo em silêncio, Lady Catherine disse, muito
secamente, a Elizabeth:
- Espero que
esteja de perfeita saúde, Menina Bennet. Aquela senhora, suponho eu, é a sua
mãe?
Elizabeth,
concisamente, confirmou a suposição.
- E aquela deve
ser uma das suas irmãs, não?
- Sim, minha
senhora - disse a Sr.a Bennet, deliciada por falar com Lady Catherine em
pessoa. - É a minha penúltima filha. A mais jovem casou-se ultimamente e a mais
velha passeia-se neste momento pelo bosque com um jovem que em breve se tornará
membro desta família.
- O vosso jardim
é ridiculamente pequeno - disse Lady Catherine, após
um curto silêncio.
- Nada é em
comparação com o de Rosings, estou certa, minha senhora; mas é muito maior do
que o de Sir William Lucas.
- Esta sala de
visitas deve ser muito inconveniente para passar as tardes durante o Verão. As
janelas estão todas viradas a ocidente.
A Sr.a Bennet
asseverou-a de que não costumava passar ali a tarde e acrescentou:
- Se V.
Excelência me permite, tomarei a liberdade de lhe perguntar se o Sr. e a Sr.a
Collins se encontram bem de saúde.
- Sim, eles
estão muito bem. Estive com eles a noite passada.
Elizabeth
esperou então que ela lhe estendesse uma carta de Charlotte para ela, pois tal
lhe parecia o motivo mais provável da sua visita. Porém, a carta não apareceu,
e Elizabeth ficou ainda mais intrigada.
A Sr.a Bennet,
com grande amabilidade, perguntou se Lady Catherine desejaria tomar alguma
coisa; mas Lady Catherine, muito decidida e pouco delicadamente, recusou o
oferecimento. Em seguida, levantando-se, disse para Elizabeth:
- Menina Bennet,
segundo me pareceu, há um pequeno bosque bastante agradável de um dos lados da
casa. Gostaria de dar uma volta por lá, se me quiser conceder o favor da sua
companhia
- Vai, meu amor
- exclamou sua mãe -, e mostra a S. Excelência os vários caminhos. Estou certa
de que o eremitério a encantará.
Elizabeth
obedeceu e correu ao quarto para ir buscar a sua sombrinha, acompanhando pouco
depois a ilustre visitante.
Ao atravessarem
o vestíbulo, Lady Catherine abriu as portas que davam para a casa de jantar e
declarou que se tratava de compartimentos bastante agradáveis, e continuou o
seu caminho.
A carruagem
permanecia parada à porta de casa e Elizabeth viu que a dama de companhia se
encontrava nela.
Caminharam em
silêncio pela rua ensaibrada que levava ao bosque; Elizabeth estava decidida a
não fazer qualquer esforço para introduzir conversa com uma pessoa que, naquele
momento, se mostrava ainda mais insolente e desagradável do que o costume.
«Como pude
alguma vez achá-la parecida com o sobrinho?», disse Elizabeth para si, ao olhar
de frente para o rosto de Lady Catherine.
Assim que
entraram no bosque, Lady Catherine começou a falar do seguinte modo:
- Não terá
dificuldade em compreender, Menina Bennet, a razão da minha viagem até aqui.
Tanto o seu coração, como a sua consciência, lhe revelarão porque foi que eu
vim.
Elizabeth olhou
para ela com um espanto sincero.
- Realmente,
está enganada, minha senhora. Ainda não fui capaz de descobrir qual o motivo
para nos honrar com uma visita sua.
- Menina Bennet
- replicou Lady Catherine num tom irritado -, deve compreender que eu não sou
para brincadeiras. E, já que prefere ser pouco sincera, fique sabendo que o
mesmo não farei eu. O meu carácter sempre foi célebre pela sua sinceridade e
franqueza; e, num assunto de tamanha importância como o presente, não me
mostrarei diferente do que sou. Chegou-me, há dois dias atrás, aos ouvidos, uma
notícia de natureza muito alarmante. Disseram-me não só que a sua irmã estava
em vésperas de realizar um casamento muito vantajoso, como também você, Menina
Elizabeth Bennet, estaria, provavelmente, muito em breve unida ao meu sobrinho,
ao meu próprio sobrinho, o Sr. Darcy! Embora eu esteja certa de que se trata de
uma escandalosa falsidade, embora eu nunca fizesse ao meu sobrinho a injúria de
supor que esta notícia seja verdadeira, imediatamente resolvi partir para cá, a
fim de lhe revelar claramente o que penso de tudo isto.
- Se a senhora
considera impossível que seja verdade - disse Elizabeth, corando de espanto e
de desdém -, não compreendo por que se deu ao trabalho de vir até tão longe.
Qual o verdadeiro intento de V. Excelência?
- Insistir desde
logo para que tal boato seja universalmente desmentido.
- A sua vinda a
Longbourn, para me ver a mim e à minha família - disse Elizabeth friamente -,
será antes a confirmação dele; se, de facto, existe tal boato.
- Se existe!
Pretende, então, convencer-me de que ignora o boato? Acaso não foi ele
artificiosamente posto a correr pela sua própria família? Não sabe que não se
fala de outra coisa por aí?
- Nada sei sobre
isso.
- E pode
declarar, igualmente, que não existe «fundamento» para ele?
- Não tenho a
pretensão de arvorar a mesma franqueza que V. Excelência. Poderá fazer-me todas
as perguntas que quiser, mas reservo-me a mim o direito de responder apenas
àquelas que eu bem entender.
- Isso é
inadmissível. Menina Bennet, exijo que me responda. Acaso ele, acaso o meu
sobrinho, lhe fez alguma proposta em casamento?
- V. Excelência
mesma declarou que isso era impossível.
- Devia sê-lo;
deve sê-lo, enquanto ele permanecer no uso da sua razão. Mas os seus artifícios
e astúcias podem tê-lo levado a esquecer, num momento de fraqueza, qual o seu
dever para com ele próprio e toda a sua família. É possível que o tenha
seduzido.
- Se o fiz,
serei a última pessoa a confessá-lo.
- Menina Bennet,
acaso sabe quem eu sou? Não estou acostumada a que me falem nesse tom. Sou
praticamente o parente mais próximo que o Sr. Darcy tem no mundo e tenho o
direito de saber todos os seus assuntos mais íntimos.
- Mas não tem o
direito de saber os «meus»; nem atitude idêntica me induzirá a explicar-me.
- Vamos a ver se
me faço entender. Essa união, a que tem a pretensão de ambicionar, jamais se
realizará. O Sr. Darcy está noivo da minha filha. E, agora, que se lhe oferece
dizer?
- Apenas isto;
que, nesse caso, não terá de temer que ele me faça uma proposta.
Lady Catherine
hesitou por um momento e em seguida replicou:
- O noivado
entre eles é de natureza especial. Desde a infância, foram destinados um para o
outro. Era esse o maior desejo da mãe dele, bem como o meu. Planejamos a união,
ainda eles estavam no berço; e agora, quando o desejo de ambas as irmãs poderia
ser realizado, uma rapariga de classe inferior, sem qualquer renome na
sociedade e totalmente estranha à família, ousa interpor-se entre eles! Não tem
qualquer consideração pelos anseios da família dele? Será que é totalmente
destituída do sentimento da propriedade e da delicadeza? Não me ouviu dizer que
desde o seu nascimento ele foi destinado à prima?
- Sim, e já o
tinha ouvido antes. Mas que tenho eu a ver com isso? Se não existe outra
objecção ao meu casamento com o seu sobrinho, o simples facto de saber que sua
mãe e sua tia desejavam que ele casasse com a Menina de Bourgh não me faria
renunciar a ele. Planejando o seu casamento, ambas fizeram o que lhes era
dado fazer. A sua realização, porém, depende de outras pessoas. Se o Sr. Darcy
não está comprometido com a prima nem pela honra nem pela inclinação, por que
motivo não poderá ele escolher outra pessoa? E se essa escolha recair sobre
mim, por que não hei-de eu aceitá-lo?
- Porque a
honra, a decência, a prudência e também o interesse o impedem. Sim, Menina
Bennet, o interesse; pois não esperará ser recebida pela família e pelos amigos
dele se agir propositadamente contra a vontade de todos. Será censurada,
humilhada e desprezada pelos parentes do Sr. Darcy. Tal aliança será uma
desonra; e o seu nome nunca será mencionado por qualquer um de nós.
- São esses
graves infortúnios - replicou Elizabeth -, mas a mulher do Sr. Darcy ocupará
situação tão privilegiada e terá tantos motivos de felicidade que, no fim, não
terá motivos para se arrepender.
- Teimosa e
obstinada criatura! Envergonho-me de si! É esta a sua gratidão para com as
atenções de que a cumulei quando esteve em casa do Sr. Collins? Acha que nada
me deve por isso? Mas, sentemo-nos. Deve compreender, menina Bennet, que vim
decidida a levar a minha avante. Nada me poderá dissuadir da minha resolução.
Não fui habituada a submeter-me ao capricho dos outros. Não estou habituada a
que resistam aos meus desejos.
- Isso apenas
tornará a sua situação presente mais lamentável; mas não terá qualquer efeito
sobre mim.
- Não admito que
me interrompam! Ouça-me em silêncio. A minha filha e o meu sobrinho foram
feitos um para o outro. Ambos descendem, pelo lado materno, de uma nobre
linhagem; e, do lado paterno, de famílias respeitáveis, honradas e antigas,
embora sem titulo. As fortunas de ambos são esplêndidas. Eles estão destinados
um ao outro por um unânime acordo de cada membro das respectivas famílias; e
quem pretende separá-los?... Uma rapariga ambiciosa, que não possui nem
família, nem relações, nem fortuna. Poder-se-á tolerar tal coisa? Não se pode,
nem o será! Se considerasse os seus próprios interesses, não desejaria sair da
esfera em que foi criada.
- Não acho que,
casando com o seu sobrinho, saia dessa mesma esfera. Ele é um gentleman e eu
sou a filha de um gentleman; portanto, somos iguais.
- Tem razão.
Você é filha de um gentleman. Mas quem era a sua mãe? Quem são os seus tios?
Não julgue que ignoro a situação deles.
- Quaisquer que
sejam os meus parentes - disse Elizabeth - se o seu sobrinho não objecta contra
eles, a senhora não tem que se preocupar com eles.
- Diga-me de uma
vez para sempre, está noiva dele?
Embora Elizabeth
não se sentisse tentada a responder a esta pergunta, pelo simples facto de não
querer fazer a vontade a Lady Catherine, ela não tinha outra solução senão
fazê-lo, após alguns instantes de deliberação:
- Não, não
estou.
Lady Catherine
pareceu ficar satisfeita.
- E promete-me
nunca aceitar tal compromisso?
- Não farei
nenhuma promessa dessa espécie.
- Menina Bennet,
estou ofendida e atónita. Esperei encontrar em si uma pessoa mais sensata. Mas
não se iluda pensando que eu desistirei tão facilmente. Não sairei daqui sem
receber a garantia que exijo.
- E não serei eu
quem lha dará. A senhora não me pode intimidar nem obrigar a fazer uma coisa
tão pouco razoável. V. Excelência deseja que o Sr. Darcy case com a sua filha;
mas, acaso crê que a minha promessa tornaria o casamento deles mais provável?
Suponha que ele tenha afeição por mim. Seria a minha recusa suficiente para que
ele transferisse essa afeição para a sua filha? Permita-me dizer-lhe, Lady
Catherine, que os argumentos com que procurou justificar esse extraordinário
pedido foram tão frívolos; quanto ao pedido, ele mesmo, é insensato. Enganou-se
redondamente acerca do meu carácter, se pensa que eu possa ser influída por
persuasões dessa natureza. Não sei até que ponto o seu sobrinho lhe permite
imiscuir nos assuntos dele, mas V. Excelência não tem o menor direito de
interferir nos meus. Peço-lhe, portanto, que não me importune mais sobre este
assunto.
- Mais devagar,
se não se importa. Ainda não acabei. A todas as objecções que até agora lhe
apresentei, acrescentarei ainda uma outra. Sei tudo a respeito da infame
conduta da sua irmã mais nova. Tudo: que o casamento apenas se realizou graças
ao seu tio e ao seu pai, que tiveram de pagar para isso. E é uma rapariga
dessas que será a irmã do meu sobrinho? E é o marido dela, filho de um antigo
intendente da casa Pemberley, que será irmão dele? Deus do Céu!, onde é que tem
a sua cabecinha! Serão as sombras de Pemberley a tal ponto poluídas?
- Creio que
agora nada mais tem para me dizer - disse Elizabeth, ressentida. - Insultou-me
de todas as maneiras possíveis. Com a sua licença, voltarei para casa.
E, dizendo isto,
ela levantou-se. Lady Catherine levantou-se
também e
regressaram juntas. S. Excelência estava furibunda.
- Não tem,
então, a menor consideração pela honra e bom nome do meu sobrinho?! Insensível
e egoísta criatura! Não vê que o seu casamento com ele o desonrará aos olhos do
mundo?
- Lady
Catherine, nada mais tenho a dizer-lhe. Sabe qual é a minha opinião.
- Está, então,
resolvida a obtê-lo?
- Nunca disse
tal coisa. Estou apenas resolvida a agir de maneira a conquistar aquilo que,
segundo a minha opinião, eu considero a minha felicidade, sem que admita a sua
interferência ou a de qualquer outra pessoa que não me é nada.
- Muito bem,
recusa-se então a atender o meu pedido. Recusa-se a reconhecer os direitos do
dever, da honra e da gratidão? Está decidida a arruiná-lo na boa opinião da
família e dos amigos e fazer dele um objecto de troça e de desdém de todo o
mundo.
- Nem o dever,
nem a honra, nem a gratidão - replicou Elizabeth - têm quaisquer direitos sobre
mim no presente caso. Nenhum desses princípios seria violado pelo meu casamento
com o Sr. Darcy. E, quanto ao ressentimento da sua família ou indignação do
mundo, se o primeiro acaso fosse provocado pelo meu casamento com ele, não lhe devotaria
nem um minuto de atenção... o mundo, em geral, é suficientemente sensato para
se unir no escárnio.
- É esta a sua
verdadeira opinião! A sua decisão final! Muito bem, saberei agora como agir.
Não imagine, Menina Bennet, que a sua ambição seja alguma vez satisfeita. Vim
aqui para a experimentar. Esperei encontrá-la mais sensata, mas verá como a
minha vontade acabará por vencer.
E Lady Catherine
continuou falando do mesmo modo, até chegarem perto da carruagem, quando de
súbito ela se voltou e acrescentou:
- Não me despeço
de si, Menina Bennet. Nem envio cumprimentos à sua mãe. Não merecem uma tal
atenção. Estou seriamente ofendida.
Elizabeth não
lhe respondeu; e, sem tentar persuadir S. Excelência a entrar em casa, voltou
as costas e afastou-se calmamente. Quando subia a escadaria, ouviu a carruagem
partindo. Sua mãe, que se impacientava, veio ao encontro dela à porta da sala,
para indagar se Lady Catherine não tornaria a entrar a fim de repousar um
pouco.
- Ela não quis -
respondeu Elizabeth. - Preferiu partir.
- É uma senhora
muito elegante! E o facto de nos ter visitado diz muito da sua prodigiosa
amabilidade, pois suponho que ela tenha vindo apenas para dizer que os Collins
se encontram bem. Ela decerto veio de passagem e lembrou-se de nos fazer uma
visita. Suponho que ela não tivesse nada de especial para te dizer, Lizzy?
Elizabeth foi
obrigada a inventar uma pequena história; pois ser-lhe-ia impossível revelar o
que de facto se tinha passado.
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