segunda-feira, 28 de maio de 2012

Capítulo 55 - Lady Catherine vai até Longbourn e confronta Elizabeth, ameaçando-a para que não aceite a proposta de Darcy


Capítulo 55 - Lady Catherine vai até Longbourn e confronta Elizabeth, ameaçando-a para que não aceite a proposta de Darcy

Certa manhã, uma semana após o noivado de Bingley e Jane, encontrava-se aquele e o resto da família reunidos na sala de jantar, quando a sua atenção foi, de súbito, despertada pelo ruído de uma carruagem; e, chegando perto de uma janela, viram tratar-se de um coche puxado por quatro cavalos que se aproximava de casa. Era demasiado cedo para uma visita e, além disso, aquela equipagem não era a de nenhum dos vizinhos. Tanto a carruagem, puxada por cavalos de posta, como a libré do criado que a precedia, lhes eram desconhecidos. Como não se punham dúvidas de que se tratava de alguém que chegava, Bingley imediatamente propôs à Menina Bennet que evitassem o intruso e fossem dar uma volta pelo bosque. Eles saíram e as três pessoas restantes continuaram conjecturando, mas sem grande êxito, até que a porta se abriu e a visita entrou. Era Lady Catherine de Bourgh.

Todas se tinham naturalmente preparado para uma surpresa, mas o seu espanto foi muito maior do que esperavam; e o da Sr.a Bennet e de Kitty, embora não soubessem de quem se tratava, inferior ainda ao que Elizabeth experimentou.

Ela entrou na sala com um ar ainda menos afável do que o costume, respondeu à saudação de Elizabeth com uma ligeira inclinação da cabeça e sentou-se, sem dizer uma palavra. 

Elizabeth mencionara o nome da visitante à sua mãe, embora Lady Catherine tivesse solicitado uma apresentação.

A Sr.a Bennet, assombrada e ao mesmo tempo envaidecida por receber uma visita tão importante, acolheu-a com demonstrações de grande delicadeza. Depois de permanecerem sentadas durante algum tempo em silêncio, Lady Catherine disse, muito secamente, a Elizabeth:

- Espero que esteja de perfeita saúde, Menina Bennet. Aquela senhora, suponho eu, é a sua mãe?

Elizabeth, concisamente, confirmou a suposição.

- E aquela deve ser uma das suas irmãs, não?

- Sim, minha senhora - disse a Sr.a Bennet, deliciada por falar com Lady Catherine em pessoa. - É a minha penúltima filha. A mais jovem casou-se ultimamente e a mais velha passeia-se neste momento pelo bosque com um jovem que em breve se tornará membro desta família.

- O vosso jardim é ridiculamente pequeno - disse Lady Catherine, após um curto silêncio.

- Nada é em comparação com o de Rosings, estou certa, minha senhora; mas é muito maior do que o de Sir William Lucas.

- Esta sala de visitas deve ser muito inconveniente para passar as tardes durante o Verão. As janelas estão todas viradas a ocidente.

A Sr.a Bennet asseverou-a de que não costumava passar ali a tarde e acrescentou:

- Se V. Excelência me permite, tomarei a liberdade de lhe perguntar se o Sr. e a Sr.a Collins se encontram bem de saúde.

- Sim, eles estão muito bem. Estive com eles a noite passada.

Elizabeth esperou então que ela lhe estendesse uma carta de Charlotte para ela, pois tal lhe parecia o motivo mais provável da sua visita. Porém, a carta não apareceu, e Elizabeth ficou ainda mais intrigada.

A Sr.a Bennet, com grande amabilidade, perguntou se Lady Catherine desejaria tomar alguma coisa; mas Lady Catherine, muito decidida e pouco delicadamente, recusou o oferecimento. Em seguida, levantando-se, disse para Elizabeth:

- Menina Bennet, segundo me pareceu, há um pequeno bosque bastante agradável de um dos lados da casa. Gostaria de dar uma volta por lá, se me quiser conceder o favor da sua companhia

- Vai, meu amor - exclamou sua mãe -, e mostra a S. Excelência os vários caminhos. Estou certa de que o eremitério a encantará.

Elizabeth obedeceu e correu ao quarto para ir buscar a sua sombrinha, acompanhando pouco depois a ilustre visitante.
Ao atravessarem o vestíbulo, Lady Catherine abriu as portas que davam para a casa de jantar e declarou que se tratava de compartimentos bastante agradáveis, e continuou o seu caminho.

A carruagem permanecia parada à porta de casa e Elizabeth viu que a dama de companhia se encontrava nela.
Caminharam em silêncio pela rua ensaibrada que levava ao bosque; Elizabeth estava decidida a não fazer qualquer esforço para introduzir conversa com uma pessoa que, naquele momento, se mostrava ainda mais insolente e desagradável do que o costume.

«Como pude alguma vez achá-la parecida com o sobrinho?», disse Elizabeth para si, ao olhar de frente para o rosto de Lady Catherine.

Assim que entraram no bosque, Lady Catherine começou a falar do seguinte modo:

- Não terá dificuldade em compreender, Menina Bennet, a razão da minha viagem até aqui. Tanto o seu coração, como a sua consciência, lhe revelarão porque foi que eu vim.

Elizabeth olhou para ela com um espanto sincero.

- Realmente, está enganada, minha senhora. Ainda não fui capaz de descobrir qual o motivo para nos honrar com uma visita sua.

- Menina Bennet - replicou Lady Catherine num tom irritado -, deve compreender que eu não sou para brincadeiras. E, já que prefere ser pouco sincera, fique sabendo que o mesmo não farei eu. O meu carácter sempre foi célebre pela sua sinceridade e franqueza; e, num assunto de tamanha importância como o presente, não me mostrarei diferente do que sou. Chegou-me, há dois dias atrás, aos ouvidos, uma notícia de natureza muito alarmante. Disseram-me não só que a sua irmã estava em vésperas de realizar um casamento muito vantajoso, como também você, Menina Elizabeth Bennet, estaria, provavelmente, muito em breve unida ao meu sobrinho, ao meu próprio sobrinho, o Sr. Darcy! Embora eu esteja certa de que se trata de uma escandalosa falsidade, embora eu nunca fizesse ao meu sobrinho a injúria de supor que esta notícia seja verdadeira, imediatamente resolvi partir para cá, a fim de lhe revelar claramente o que penso de tudo isto.

- Se a senhora considera impossível que seja verdade - disse Elizabeth, corando de espanto e de desdém -, não compreendo por que se deu ao trabalho de vir até tão longe. Qual o verdadeiro intento de V. Excelência?

- Insistir desde logo para que tal boato seja universalmente desmentido.

- A sua vinda a Longbourn, para me ver a mim e à minha família - disse Elizabeth friamente -, será antes a confirmação dele; se, de facto, existe tal boato.

- Se existe! Pretende, então, convencer-me de que ignora o boato? Acaso não foi ele artificiosamente posto a correr pela sua própria família? Não sabe que não se fala de outra coisa por aí?

- Nada sei sobre isso.

- E pode declarar, igualmente, que não existe «fundamento» para ele?

- Não tenho a pretensão de arvorar a mesma franqueza que V. Excelência. Poderá fazer-me todas as perguntas que quiser, mas reservo-me a mim o direito de responder apenas àquelas que eu bem entender.

- Isso é inadmissível. Menina Bennet, exijo que me responda. Acaso ele, acaso o meu sobrinho, lhe fez alguma proposta em casamento?

- V. Excelência mesma declarou que isso era impossível.

- Devia sê-lo; deve sê-lo, enquanto ele permanecer no uso da sua razão. Mas os seus artifícios e astúcias podem tê-lo levado a esquecer, num momento de fraqueza, qual o seu dever para com ele próprio e toda a sua família. É possível que o tenha seduzido.

- Se o fiz, serei a última pessoa a confessá-lo.

- Menina Bennet, acaso sabe quem eu sou? Não estou acostumada a que me falem nesse tom. Sou praticamente o parente mais próximo que o Sr. Darcy tem no mundo e tenho o direito de saber todos os seus assuntos mais íntimos.

- Mas não tem o direito de saber os «meus»; nem atitude idêntica me induzirá a explicar-me.

- Vamos a ver se me faço entender. Essa união, a que tem a pretensão de ambicionar, jamais se realizará. O Sr. Darcy está noivo da minha filha. E, agora, que se lhe oferece dizer?

- Apenas isto; que, nesse caso, não terá de temer que ele me faça uma proposta.

Lady Catherine hesitou por um momento e em seguida replicou:

- O noivado entre eles é de natureza especial. Desde a infância, foram destinados um para o outro. Era esse o maior desejo da mãe dele, bem como o meu. Planejamos a união, ainda eles estavam no berço; e agora, quando o desejo de ambas as irmãs poderia ser realizado, uma rapariga de classe inferior, sem qualquer renome na sociedade e totalmente estranha à família, ousa interpor-se entre eles! Não tem qualquer consideração pelos anseios da família dele? Será que é totalmente destituída do sentimento da propriedade e da delicadeza? Não me ouviu dizer que desde o seu nascimento ele foi destinado à prima?

- Sim, e já o tinha ouvido antes. Mas que tenho eu a ver com isso? Se não existe outra objecção ao meu casamento com o seu sobrinho, o simples facto de saber que sua mãe e sua tia desejavam que ele casasse com a Menina de Bourgh não me faria renunciar a ele. Planejando o seu casamento, ambas fizeram o que lhes era dado fazer. A sua realização, porém, depende de outras pessoas. Se o Sr. Darcy não está comprometido com a prima nem pela honra nem pela inclinação, por que motivo não poderá ele escolher outra pessoa? E se essa escolha recair sobre mim, por que não hei-de eu aceitá-lo?

- Porque a honra, a decência, a prudência e também o interesse o impedem. Sim, Menina Bennet, o interesse; pois não esperará ser recebida pela família e pelos amigos dele se agir propositadamente contra a vontade de todos. Será censurada, humilhada e desprezada pelos parentes do Sr. Darcy. Tal aliança será uma desonra; e o seu nome nunca será mencionado por qualquer um de nós.

- São esses graves infortúnios - replicou Elizabeth -, mas a mulher do Sr. Darcy ocupará situação tão privilegiada e terá tantos motivos de felicidade que, no fim, não terá motivos para se arrepender.

- Teimosa e obstinada criatura! Envergonho-me de si! É esta a sua gratidão para com as atenções de que a cumulei quando esteve em casa do Sr. Collins? Acha que nada me deve por isso? Mas, sentemo-nos. Deve compreender, menina Bennet, que vim decidida a levar a minha avante. Nada me poderá dissuadir da minha resolução. Não fui habituada a submeter-me ao capricho dos outros. Não estou habituada a que resistam aos meus desejos.

- Isso apenas tornará a sua situação presente mais lamentável; mas não terá qualquer efeito sobre mim.

- Não admito que me interrompam! Ouça-me em silêncio. A minha filha e o meu sobrinho foram feitos um para o outro. Ambos descendem, pelo lado materno, de uma nobre linhagem; e, do lado paterno, de famílias respeitáveis, honradas e antigas, embora sem titulo. As fortunas de ambos são esplêndidas. Eles estão destinados um ao outro por um unânime acordo de cada membro das respectivas famílias; e quem pretende separá-los?... Uma rapariga ambiciosa, que não possui nem família, nem relações, nem fortuna. Poder-se-á tolerar tal coisa? Não se pode, nem o será! Se considerasse os seus próprios interesses, não desejaria sair da esfera em que foi criada.

- Não acho que, casando com o seu sobrinho, saia dessa mesma esfera. Ele é um gentleman e eu sou a filha de um gentleman; portanto, somos iguais.

- Tem razão. Você é filha de um gentleman. Mas quem era a sua mãe? Quem são os seus tios? Não julgue que ignoro a situação deles.

- Quaisquer que sejam os meus parentes - disse Elizabeth - se o seu sobrinho não objecta contra eles, a senhora não tem que se preocupar com eles.

- Diga-me de uma vez para sempre, está noiva dele?

Embora Elizabeth não se sentisse tentada a responder a esta pergunta, pelo simples facto de não querer fazer a vontade a Lady Catherine, ela não tinha outra solução senão fazê-lo, após alguns instantes de deliberação:

- Não, não estou.

Lady Catherine pareceu ficar satisfeita.

- E promete-me nunca aceitar tal compromisso?

- Não farei nenhuma promessa dessa espécie.

- Menina Bennet, estou ofendida e atónita. Esperei encontrar em si uma pessoa mais sensata. Mas não se iluda pensando que eu desistirei tão facilmente. Não sairei daqui sem receber a garantia que exijo.

- E não serei eu quem lha dará. A senhora não me pode intimidar nem obrigar a fazer uma coisa tão pouco razoável. V. Excelência deseja que o Sr. Darcy case com a sua filha; mas, acaso crê que a minha promessa tornaria o casamento deles mais provável? Suponha que ele tenha afeição por mim. Seria a minha recusa suficiente para que ele transferisse essa afeição para a sua filha? Permita-me dizer-lhe, Lady Catherine, que os argumentos com que procurou justificar esse extraordinário pedido foram tão frívolos; quanto ao pedido, ele mesmo, é insensato. Enganou-se redondamente acerca do meu carácter, se pensa que eu possa ser influída por persuasões dessa natureza. Não sei até que ponto o seu sobrinho lhe permite imiscuir nos assuntos dele, mas V. Excelência não tem o menor direito de interferir nos meus. Peço-lhe, portanto, que não me importune mais sobre este assunto.

- Mais devagar, se não se importa. Ainda não acabei. A todas as objecções que até agora lhe apresentei, acrescentarei ainda uma outra. Sei tudo a respeito da infame conduta da sua irmã mais nova. Tudo: que o casamento apenas se realizou graças ao seu tio e ao seu pai, que tiveram de pagar para isso. E é uma rapariga dessas que será a irmã do meu sobrinho? E é o marido dela, filho de um antigo intendente da casa Pemberley, que será irmão dele? Deus do Céu!, onde é que tem a sua cabecinha! Serão as sombras de Pemberley a tal ponto poluídas?

- Creio que agora nada mais tem para me dizer - disse Elizabeth, ressentida. - Insultou-me de todas as maneiras possíveis. Com a sua licença, voltarei para casa.

E, dizendo isto, ela levantou-se. Lady Catherine levantou-se
também e regressaram juntas. S. Excelência estava furibunda.

- Não tem, então, a menor consideração pela honra e bom nome do meu sobrinho?! Insensível e egoísta criatura! Não vê que o seu casamento com ele o desonrará aos olhos do mundo?

- Lady Catherine, nada mais tenho a dizer-lhe. Sabe qual é a minha opinião.

- Está, então, resolvida a obtê-lo?

- Nunca disse tal coisa. Estou apenas resolvida a agir de maneira a conquistar aquilo que, segundo a minha opinião, eu considero a minha felicidade, sem que admita a sua interferência ou a de qualquer outra pessoa que não me é nada.

- Muito bem, recusa-se então a atender o meu pedido. Recusa-se a reconhecer os direitos do dever, da honra e da gratidão? Está decidida a arruiná-lo na boa opinião da família e dos amigos e fazer dele um objecto de troça e de desdém de todo o mundo.

- Nem o dever, nem a honra, nem a gratidão - replicou Elizabeth - têm quaisquer direitos sobre mim no presente caso. Nenhum desses princípios seria violado pelo meu casamento com o Sr. Darcy. E, quanto ao ressentimento da sua família ou indignação do mundo, se o primeiro acaso fosse provocado pelo meu casamento com ele, não lhe devotaria nem um minuto de atenção... o mundo, em geral, é suficientemente sensato para se unir no escárnio.

- É esta a sua verdadeira opinião! A sua decisão final! Muito bem, saberei agora como agir. Não imagine, Menina Bennet, que a sua ambição seja alguma vez satisfeita. Vim aqui para a experimentar. Esperei encontrá-la mais sensata, mas verá como a minha vontade acabará por vencer.

E Lady Catherine continuou falando do mesmo modo, até chegarem perto da carruagem, quando de súbito ela se voltou e acrescentou:

- Não me despeço de si, Menina Bennet. Nem envio cumprimentos à sua mãe. Não merecem uma tal atenção. Estou seriamente ofendida.

Elizabeth não lhe respondeu; e, sem tentar persuadir S. Excelência a entrar em casa, voltou as costas e afastou-se calmamente. Quando subia a escadaria, ouviu a carruagem partindo. Sua mãe, que se impacientava, veio ao encontro dela à porta da sala, para indagar se Lady Catherine não tornaria a entrar a fim de repousar um pouco.

- Ela não quis - respondeu Elizabeth. - Preferiu partir.

- É uma senhora muito elegante! E o facto de nos ter visitado diz muito da sua prodigiosa amabilidade, pois suponho que ela tenha vindo apenas para dizer que os Collins se encontram bem. Ela decerto veio de passagem e lembrou-se de nos fazer uma visita. Suponho que ela não tivesse nada de especial para te dizer, Lizzy?

Elizabeth foi obrigada a inventar uma pequena história; pois ser-lhe-ia impossível revelar o que de facto se tinha passado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário