Capítulo 28
Elizabeth vai à casa de Lady Catherine
O triunfo do Sr. Collins em virtude deste convite foi completo. A possibilidade de exibir a magnificência da sua patrona aos olhos maravilhados dos seus hóspedes e de os deixar entrever a delicadeza de Sua Excelência para com ele próprio e sua mulher vinha ao encontro daquilo que ele mais desejava; e o facto de essa oportunidade lhe ter sido facultada tão cedo era tão característico da condescendência e atenção próprias de Lady Catherine que ele não tinha palavras para exprimir a sua admiração.
- Confesso -
dizia ele - que não me surpreenderia se acaso no domingo Sua Excelência nos
convidasse para tomar chá e passar a tarde em Rosings. Conhecendo eu a sua
afabilidade, achava natural que assim sucedesse. Mas quem poderia prever uma
prova de atenção como esta? Quem imaginaria que nós havíamos de receber um
convite para jantar, um convite, aliás, que abrange todo o grupo, tão
imediatamente após a vossa chegada?
- Sou eu o menos
surpreendido de todos - replicou Sir William -, graças ao conhecimento que
tenho do que é usual nas altas esferas, e o qual me foi facultado pela minha
situação na vida. Na corte não são invulgares tais manifestações, reveladoras
de uma educação primorosa.
Em pouco mais se
falou durante o resto do dia e na manhã seguinte, senão na visita a Rosings. O
Sr. Collins teve a precaução de os esclarecer sobre as maravilhas que os
esperavam, de modo a que a visão dos salões, dos inúmeros criados e do opulento
jantar não os mergulhasse num assombro desmedido.
Antes de as senhoras
se retirarem, a fim de se prepararem, ele disse a Elizabeth:
- Não se
preocupe demasiado com o seu traje, querida prima. Lady Catherine está longe de
exigir de nós a elegância que ela e sua filha ostentam. Aconselho-a, portanto,
a escolher o seu vestido mais elegante, apenas, pois a ocasião pouco mais
requer. Lady Catherine não lhe levará a mal a simplicidade da sua aparência.
Ela gosta de ver preservada a distinção das classes.
Enquanto elas se
vestiam, o Sr. Collins veio por duas ou três vezes bater à porta dos diferentes
quartos e recomendar-lhes que não se demorassem, pois Lady Catherine não
gostava que a fizessem esperar para jantar. Considerações tão formidáveis sobre
Sua Excelência e o seu modo de vida não deixavam de assustar Maria Lucas, que
não tinha ainda a prática da convivência social e que antevia a sua visita a
Rosings tão apreensivamente como seu pai no dia da sua apresentação na corte.
Como o tempo
estava bom, o passeio através do parque foi muito agradável. Todos os parques
têm as suas belezas e as suas perspectivas; e Elizabeth sentia-se satisfeita
com o que via, embora não se entregasse às efusões que o Sr. Collins esperava
que o cenário nela suscitasse, e apenas se mostrou ligeiramente impressionada
pela enumeração das janelas da frente da casa e o que envidraçá-las
originalmente custara a Sir Lewis de Bourgh.
Enquanto subiam
a escadaria da entrada, a emoção de Maria aumentava a cada momento e o próprio
Sir William deixava transparecer o seu nervosismo. A coragem de Elizabeth, porém,
não a abandonou. Ela nada ouvira a respeito de Lady Catherine que a
impressionasse, quer por quaisquer talentos extraordinários ou miraculosa
virtude, e, quanto à pompa de que tanto o dinheiro como a sua classe a
rodeavam, ela acreditava poder contemplar sem desfalecer.
Da sala de
entrada, cujas belas proporções e ricos ornamentos o Sr. Collins fez ressaltar
com ar extático, seguiram os criados através de uma antecâmara até à sala onde
se encontravam Lady Catherine, sua filha e a Sr.a
Jenkinson. Sua Excelência condescendeu em levantar-se para os receber; e, de
acordo com o que previamente ficara estabelecido entre os cônjuges, a
apresentação a cargo da Sr.a Collins decorreu da forma mais adequada e sem
nenhuma daquelas desculpas e agradecimentos que o marido teria considerado
indispensáveis.
Apesar de já ter
sido recebido em St. James, Sir William estava tão impressionado pelo esplendor
que o rodeava que apenas teve animo para uma profunda vénia e sentar-se sem
proferir palavra; e sua filha, terrivelmente assustada, ocupou a borda de uma
cadeira e não sabia para que direcção olhar. Elizabeth sentia-se perfeitamente
à vontade e pôde observar serenamente as três senhoras à sua frente. Lady
Catherine era uma mulher alta e forte, de feições muito carregadas e que
teriam, em tempos, sido belas. O seu ar não cativava e a atitude dela ao
recebê-los não era de molde a fazê-los esquecer a sua inferioridade. Quando em
silêncio, nada tinha de terrível; mas o que quer que ela dissesse era dito num
tom tão autoritário que revelava toda a sua presunção, e imediatamente trouxe o
Sr. Wickham ao espírito de Elizabeth; e, pelo que lhe foi dado observar no
decorrer desse dia, ela acreditou na veracidade da imagem que de Lady Catherine
ele lhe dera.
Quando, após o
exame da mãe, em cujo semblante e comportamento em breve descobriu a semelhança
com o Sr. Darcy, Elizabeth voltou os olhos para a filha, sentiu-se capaz de
partilhar do espanto de Maria ao considerá-la tão frágil e miudinha. Não
existia, quer na figura como no rosto, qualquer parecença entre as duas
senhoras. A Menina de Bourgh era pálida e de compleição doentia; as suas
feições, embora não fossem feias, eram insignificantes. Ela pouco falava e o
que dizia pronunciava-o numa voz sumida ao ouvido da Sr.a Jenkinson, cuja
aparência nada tinha de notável e que se ocupava inteiramente em escutar a
outra e em colocar um biombo em situação conveniente diante dos olhos da
rapariga.
Após
permanecerem alguns minutos sentados, foram todos levados para junto de uma das
janelas, a fim de admirarem a panorâmica; o Sr. Collins encarregou-se de lhes
indicar o que era digno de ser visto e Lady Catherine, amavelmente, observou
que no Verão era tudo muito mais belo.
O jantar
decorreu magnificamente, com todos os criados e a esplêndida baixela de prata
de que o Sr. Collins falara; e, de acordo com o que igualmente predissera, ele
sentou-se, por desejo expresso de Sua Excelência, à cabeceira da mesa, e, pela
sua radiosa expressão, era como se sentisse que para ele a vida nada tinha de
mais grandioso para lhe oferecer. Ele trinchava, comia e louvava com um
entusiasmo embevecido; e cada iguaria era apreciada, primeiro por ele e em
seguida por Sir William, que por esta altura readquirira já a confiança
suficiente para repetir tudo o que o genro dizia, mas de uma feição tal que
Elizabeth duvidava se Lady Catherine o suportaria. Lady Catherine, contudo,
parecia satisfeita com aquela admiração excessiva e concedia a graça de um
sorriso ou outro, sobretudo quando alguma das iguarias se revelava uma novidade
para eles. O grupo, porém, não era de índole a permitir uma conversa
generalizada. Elizabeth estava pronta a pronunciar-se sempre que via ocasião,
mas encontrava-se sentada entre Charlotte e a Menina de Bourgh, e, enquanto a
primeira tinha a sua atenção absorvida por Lady Catherine, a segunda não lhe
dirigiu uma só palavra durante todo o jantar. A Sr.a Jenkinson, principalmente
ocupada em observar o que a Menina de Bourgh comia, incitava-a constantemente a
variar de prato e amiúde lhe perguntava se acaso se sentia indisposta. Maria
pusera completamente de parte a ideia de falar e os cavalheiros limitavam-se a
comer e a admirar.
Em seguida, as
senhoras voltaram para o salão, e até à hora do café nada mais fizeram senão
ouvir Lady Catherine. Esta falava sem interrupção, dando a sua opinião sobre
cada assunto com uma segurança que mostrava bem não estar habituada a que lhe
contestassem as palavras. Fez inúmeras perguntas a Charlotte a respeito de assuntos
domésticos, com familiaridade e minúcia; e aconselhou-a generosamente.
Disse-lhe como tudo deveria ser regulado numa família pequena como a sua e
ensinou-lhe a cuidar das vacas e das aves de capoeira. Elizabeth verificou que
nenhum assunto, por mais humilde que fosse, escapava à atenção de Lady
Catherine, contanto que neles encontrasse uma oportunidade para doutrinar. Nos
intervalos das suas recomendações à Sr.a Collins, dirigia algumas perguntas a
Maria e a Elizabeth, especialmente a esta última, que conhecia menos e que,
observou ela para a Sr.a Collins, era uma rapariga muito simpática e atraente.
Perguntou-lhe várias vezes quantas irmãs ela tinha, se eram mais novas ou mais
velhas do que ela, se alguma delas estava em vias de se casar, se eram bonitas,
onde tinham sido educadas, qual a situação de seu pai e o nome de solteira de
sua mãe. Elizabeth sentiu toda a impertinência contida nas perguntas, mas
respondeu com grande simplicidade. Lady Catherine então observou:
- A propriedade
de seu pai está destinada, pela sucessão, a cair nas mãos do Sr. Collins.
Alegro-me por sua causa - continuou ela, virando-se para Charlotte -, mas, de
outro modo, não vejo por que privam a descendência feminina do direito de
herdar propriedades. Na família de Sir Lewis de Bourgh não julgaram necessário
tomar tal medida. Sabe tocar piano e cantar, Menina Bennet?
- Um pouco.
- Oh!, nesse
caso, espero que um dia destes nos dê o prazer de a ouvir. O nosso piano é
estupendo, o que há de melhor. Provavelmente superior ao... Tem de
experimentá-lo. As suas irmãs também sabem tocar e cantar?
- Uma delas
sabe.
- Por que não
aprenderam as outras também? Todas deviam saber música. As Meninas Webbs todas
sabem tocar; e o pai delas não é mais rico que o seu. Sabe desenhar?
- Não, minha
senhora.
- O quê, nenhuma
de vós?
- Nenhuma de
nós.
- Que curioso.
Mas com certeza não tiveram oportunidade. Vossa mãe deveria tê-las levado na
Primavera para a capital, para receberem lições.
- Minha mãe não
poria objecção, mas o meu pai detestava Londres.
- A vossa mestra
foi despedida?
- Nós nunca
tivemos mestra.
- Nunca tiveram
mestra? Como é isso possível! Educar cinco filhas sem uma mestra! Nunca ouvi
tal coisa! Vossa mãe deve ter sido uma escrava da vossa educação.
Elizabeth não pôde
deixar de sorrir ao responder que esse não fora o caso.
- Então, quem as
ensinou? Quem se encarregou da vossa educação? Sem a
assistência de uma mestra, ela terá sido imperfeita.
- Em comparação
com a de certas famílias, acredito que sim; mas lá em casa, àquelas que
quiseram aprender nunca lhes faltou meios para tal. Sempre nos encorajaram a
prática da leitura e tivemos todos os professores necessários. Porém, às que
preferiram não estudar foi-lhes feita a vontade.
- Sem dúvida,
mas seria isso justamente que uma mestra permanente teria evitado. Se acaso eu
fosse das relações de sua mãe, tê-la-ia com insistência aconselhado a que
tomasse uma mestra. Para uma educação perfeita, entendo uma instrução constante
e regular, e isso só uma mestra o pode garantir. É espantoso o número de
famílias em que eu coloquei mestras. É com prazer que eu recomendo uma rapariga
bem educada. Graças aos meus cuidados, quatro sobrinhas da Sr.a Jenkinson
encontram-se hoje magnificamente colocadas. Ainda no outro dia falei numa jovem
cujo nome ouvira apenas acidentalmente e a família a quem a recomendei ficou
muito satisfeita com ela. Sr.a Collins, já lhe contei que Lady Metcalf me veio
visitar ontem para me agradecer? Ela está positivamente encantada com a Menina
Pope. «Lady Catherine», disse-me ela, «a senhora arranjou-me um tesouro.»
Alguma das suas irmãs mais novas já foi apresentada à sociedade, Menina Bennet?
- Sim, minha
senhora, todas elas.
- O quê? Todas
as cinco de uma vez? É muito estranho. E a menina é apenas a segunda! As mais
novas já frequentam a sociedade mesmo antes de as mais velhas se casarem! As
suas outras irmãs são muito novinhas?
- A mais nova
ainda não fez dezesseis anos. Talvez seja um pouco cedo de mais para fazer vida
social, mas, realmente, minha senhora, considero uma crueldade recusar-lhes a
sua parte de divertimentos e relações sociais apenas porque a mais velha não
teve oportunidade ou inclinação para se casar mais cedo. As mais novas tem os
mesmos direitos que as mais velhas aos prazeres da mocidade; e estou em crer
que fechá-las em casa não seria um bom meio de promover a afeição fraternal ou
a delicadeza de sentimentos.
- Por Deus -
disse Lady Catherine -, a menina exprime a sua opinião muito decididamente para
uma pessoa tão jovem. Diga-me, quantos anos tem?
- Com três irmãs
mais novas já adultas - replicou Elizabeth -, Vossa Excelência não pode esperar
que eu lhe dê uma resposta.
Lady Catherine
pareceu ficar atónita por não ter recebido uma resposta directa e Elizabeth
suspeitou que fora ela a primeira pessoa que jamais ousara ludibriar tão
pomposa impertinência.
- A menina não
pode ter mais de vinte anos, portanto não precisa de esconder a sua idade.
- Ainda não fiz
vinte e um anos.
Depois do chá,
quando os cavalheiros se lhes reuniram, prepararam as mesas de jogo. Lady
Catherine, Sir William, o Sr. e a Sr.a Collins sentaram-se para o quadrille; e,
como a Menina de Bourgh preferisse jogar o «casino», as duas raparigas e a Sr.a
Jenkinson tiveram a honra de formar uma segunda mesa com ela. Esta mesa foi
extremamente maçadora. Não se ouviu uma sílaba que não se referisse ao jogo, a
não ser quando a Sr.a Jenkinson exprimia os seus receios de que a Menina de
Bourgh estivesse agasalhada de mais, ou de menos, ou que a luz fosse fraca, ou
demasiada. A outra mesa era muito mais animada. Lady Catherine não cessava de
falar, apontando os erros dos outros três ou contando algum caso passado
consigo. O Sr. Collins estava ocupado em concordar com tudo o que Lady Catherine
dizia, agradecendo-lhe cada ponto que ganhava ou pedindo desculpas se achava
que estava ganhando demais. Sir William pouco dizia. Procurava afanosamente na
sua memória as histórias e os nomes nobres que conhecia.
Quando Lady
Catherine e sua filha jogaram o que tinham na vontade, as mesas foram
desfeitas, a carruagem foi oferecida à Sr.a Collins, aceite com gratidão e
imediatamente chamada. Entretanto, o grupo reuniu-se em torno da lareira para
ouvir Lady Catherine lançar os seus oráculos sobre o tempo que faria no dia
seguinte. Foi interrompida pela chegada da carruagem; e, depois de muitos
agradecimentos da parte do Sr. Collins e outras tantas reverencias de Sir
William, eles partiram. Mal tinham transposto a porta, o Sr. Collins pediu à
prima que desse a sua opinião sobre tudo o que vira em Rosings. Em atenção de
Charlotte, Elizabeth respondeu-lhe mais favoravelmente do que o que na
realidade desejava. Os seus louvores, embora lhe tivesse custado algum
trabalho, de modo algum foram considerados suficientes pelo Sr. Collins, que
imediatamente se sentiu obrigado a tomar ao seu cuidado o elogio de Lady
Catherine.
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