quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 28 - Elizabeth vai à casa de Lady Catherine

Capítulo 28

Elizabeth vai à casa de Lady Catherine



O triunfo do Sr. Collins em virtude deste convite foi completo. A possibilidade de exibir a magnificência da sua patrona aos olhos maravilhados dos seus hóspedes e de os deixar entrever a delicadeza de Sua Excelência para com ele próprio e sua mulher vinha ao encontro daquilo que ele mais desejava; e o facto de essa oportunidade lhe ter sido facultada tão cedo era tão característico da condescendência e atenção próprias de Lady Catherine que ele não tinha palavras para exprimir a sua admiração.

- Confesso - dizia ele - que não me surpreenderia se acaso no domingo Sua Excelência nos convidasse para tomar chá e passar a tarde em Rosings. Conhecendo eu a sua afabilidade, achava natural que assim sucedesse. Mas quem poderia prever uma prova de atenção como esta? Quem imaginaria que nós havíamos de receber um convite para jantar, um convite, aliás, que abrange todo o grupo, tão imediatamente após a vossa chegada?

- Sou eu o menos surpreendido de todos - replicou Sir William -, graças ao conhecimento que tenho do que é usual nas altas esferas, e o qual me foi facultado pela minha situação na vida. Na corte não são invulgares tais manifestações, reveladoras de uma educação primorosa.
Em pouco mais se falou durante o resto do dia e na manhã seguinte, senão na visita a Rosings. O Sr. Collins teve a precaução de os esclarecer sobre as maravilhas que os esperavam, de modo a que a visão dos salões, dos inúmeros criados e do opulento jantar não os mergulhasse num assombro desmedido.

Antes de as senhoras se retirarem, a fim de se prepararem, ele disse a Elizabeth:

- Não se preocupe demasiado com o seu traje, querida prima. Lady Catherine está longe de exigir de nós a elegância que ela e sua filha ostentam. Aconselho-a, portanto, a escolher o seu vestido mais elegante, apenas, pois a ocasião pouco mais requer. Lady Catherine não lhe levará a mal a simplicidade da sua aparência. Ela gosta de ver preservada a distinção das classes.

Enquanto elas se vestiam, o Sr. Collins veio por duas ou três vezes bater à porta dos diferentes quartos e recomendar-lhes que não se demorassem, pois Lady Catherine não gostava que a fizessem esperar para jantar. Considerações tão formidáveis sobre Sua Excelência e o seu modo de vida não deixavam de assustar Maria Lucas, que não tinha ainda a prática da convivência social e que antevia a sua visita a Rosings tão apreensivamente como seu pai no dia da sua apresentação na corte.

Como o tempo estava bom, o passeio através do parque foi muito agradável. Todos os parques têm as suas belezas e as suas perspectivas; e Elizabeth sentia-se satisfeita com o que via, embora não se entregasse às efusões que o Sr. Collins esperava que o cenário nela suscitasse, e apenas se mostrou ligeiramente impressionada pela enumeração das janelas da frente da casa e o que envidraçá-las originalmente custara a Sir Lewis de Bourgh.

Enquanto subiam a escadaria da entrada, a emoção de Maria aumentava a cada momento e o próprio Sir William deixava transparecer o seu nervosismo. A coragem de Elizabeth, porém, não a abandonou. Ela nada ouvira a respeito de Lady Catherine que a impressionasse, quer por quaisquer talentos extraordinários ou miraculosa virtude, e, quanto à pompa de que tanto o dinheiro como a sua classe a rodeavam, ela acreditava poder contemplar sem desfalecer.

Da sala de entrada, cujas belas proporções e ricos ornamentos o Sr. Collins fez ressaltar com ar extático, seguiram os criados através de uma antecâmara até à sala onde se encontravam Lady Catherine, sua filha e a Sr.a Jenkinson. Sua Excelência condescendeu em levantar-se para os receber; e, de acordo com o que previamente ficara estabelecido entre os cônjuges, a apresentação a cargo da Sr.a Collins decorreu da forma mais adequada e sem nenhuma daquelas desculpas e agradecimentos que o marido teria considerado indispensáveis.

Apesar de já ter sido recebido em St. James, Sir William estava tão impressionado pelo esplendor que o rodeava que apenas teve animo para uma profunda vénia e sentar-se sem proferir palavra; e sua filha, terrivelmente assustada, ocupou a borda de uma cadeira e não sabia para que direcção olhar. Elizabeth sentia-se perfeitamente à vontade e pôde observar serenamente as três senhoras à sua frente. Lady Catherine era uma mulher alta e forte, de feições muito carregadas e que teriam, em tempos, sido belas. O seu ar não cativava e a atitude dela ao recebê-los não era de molde a fazê-los esquecer a sua inferioridade. Quando em silêncio, nada tinha de terrível; mas o que quer que ela dissesse era dito num tom tão autoritário que revelava toda a sua presunção, e imediatamente trouxe o Sr. Wickham ao espírito de Elizabeth; e, pelo que lhe foi dado observar no decorrer desse dia, ela acreditou na veracidade da imagem que de Lady Catherine ele lhe dera.

Quando, após o exame da mãe, em cujo semblante e comportamento em breve descobriu a semelhança com o Sr. Darcy, Elizabeth voltou os olhos para a filha, sentiu-se capaz de partilhar do espanto de Maria ao considerá-la tão frágil e miudinha. Não existia, quer na figura como no rosto, qualquer parecença entre as duas senhoras. A Menina de Bourgh era pálida e de compleição doentia; as suas feições, embora não fossem feias, eram insignificantes. Ela pouco falava e o que dizia pronunciava-o numa voz sumida ao ouvido da Sr.a Jenkinson, cuja aparência nada tinha de notável e que se ocupava inteiramente em escutar a outra e em colocar um biombo em situação conveniente diante dos olhos da rapariga.
Após permanecerem alguns minutos sentados, foram todos levados para junto de uma das janelas, a fim de admirarem a panorâmica; o Sr. Collins encarregou-se de lhes indicar o que era digno de ser visto e Lady Catherine, amavelmente, observou que no Verão era tudo muito mais belo.

O jantar decorreu magnificamente, com todos os criados e a esplêndida baixela de prata de que o Sr. Collins falara; e, de acordo com o que igualmente predissera, ele sentou-se, por desejo expresso de Sua Excelência, à cabeceira da mesa, e, pela sua radiosa expressão, era como se sentisse que para ele a vida nada tinha de mais grandioso para lhe oferecer. Ele trinchava, comia e louvava com um entusiasmo embevecido; e cada iguaria era apreciada, primeiro por ele e em seguida por Sir William, que por esta altura readquirira já a confiança suficiente para repetir tudo o que o genro dizia, mas de uma feição tal que Elizabeth duvidava se Lady Catherine o suportaria. Lady Catherine, contudo, parecia satisfeita com aquela admiração excessiva e concedia a graça de um sorriso ou outro, sobretudo quando alguma das iguarias se revelava uma novidade para eles. O grupo, porém, não era de índole a permitir uma conversa generalizada. Elizabeth estava pronta a pronunciar-se sempre que via ocasião, mas encontrava-se sentada entre Charlotte e a Menina de Bourgh, e, enquanto a primeira tinha a sua atenção absorvida por Lady Catherine, a segunda não lhe dirigiu uma só palavra durante todo o jantar. A Sr.a Jenkinson, principalmente ocupada em observar o que a Menina de Bourgh comia, incitava-a constantemente a variar de prato e amiúde lhe perguntava se acaso se sentia indisposta. Maria pusera completamente de parte a ideia de falar e os cavalheiros limitavam-se a comer e a admirar.

Em seguida, as senhoras voltaram para o salão, e até à hora do café nada mais fizeram senão ouvir Lady Catherine. Esta falava sem interrupção, dando a sua opinião sobre cada assunto com uma segurança que mostrava bem não estar habituada a que lhe contestassem as palavras. Fez inúmeras perguntas a Charlotte a respeito de assuntos domésticos, com familiaridade e minúcia; e aconselhou-a generosamente. Disse-lhe como tudo deveria ser regulado numa família pequena como a sua e ensinou-lhe a cuidar das vacas e das aves de capoeira. Elizabeth verificou que nenhum assunto, por mais humilde que fosse, escapava à atenção de Lady Catherine, contanto que neles encontrasse uma oportunidade para doutrinar. Nos intervalos das suas recomendações à Sr.a Collins, dirigia algumas perguntas a Maria e a Elizabeth, especialmente a esta última, que conhecia menos e que, observou ela para a Sr.a Collins, era uma rapariga muito simpática e atraente. Perguntou-lhe várias vezes quantas irmãs ela tinha, se eram mais novas ou mais velhas do que ela, se alguma delas estava em vias de se casar, se eram bonitas, onde tinham sido educadas, qual a situação de seu pai e o nome de solteira de sua mãe. Elizabeth sentiu toda a impertinência contida nas perguntas, mas respondeu com grande simplicidade. Lady Catherine então observou:

- A propriedade de seu pai está destinada, pela sucessão, a cair nas mãos do Sr. Collins. Alegro-me por sua causa - continuou ela, virando-se para Charlotte -, mas, de outro modo, não vejo por que privam a descendência feminina do direito de herdar propriedades. Na família de Sir Lewis de Bourgh não julgaram necessário tomar tal medida. Sabe tocar piano e cantar, Menina Bennet?

- Um pouco.

- Oh!, nesse caso, espero que um dia destes nos dê o prazer de a ouvir. O nosso piano é estupendo, o que há de melhor. Provavelmente superior ao... Tem de experimentá-lo. As suas irmãs também sabem tocar e cantar?

- Uma delas sabe.

- Por que não aprenderam as outras também? Todas deviam saber música. As Meninas Webbs todas sabem tocar; e o pai delas não é mais rico que o seu. Sabe desenhar?

- Não, minha senhora.

- O quê, nenhuma de vós?

- Nenhuma de nós.

- Que curioso. Mas com certeza não tiveram oportunidade. Vossa mãe deveria tê-las levado na Primavera para a capital, para receberem lições.

- Minha mãe não poria objecção, mas o meu pai detestava Londres.

- A vossa mestra foi despedida?

- Nós nunca tivemos mestra.

- Nunca tiveram mestra? Como é isso possível! Educar cinco filhas sem uma mestra! Nunca ouvi tal coisa! Vossa mãe deve ter sido uma escrava da vossa educação.

Elizabeth não pôde deixar de sorrir ao responder que esse não fora o caso.

- Então, quem as ensinou? Quem se encarregou da vossa educação? Sem a assistência de uma mestra, ela terá sido imperfeita.

- Em comparação com a de certas famílias, acredito que sim; mas lá em casa, àquelas que quiseram aprender nunca lhes faltou meios para tal. Sempre nos encorajaram a prática da leitura e tivemos todos os professores necessários. Porém, às que preferiram não estudar foi-lhes feita a vontade.

- Sem dúvida, mas seria isso justamente que uma mestra permanente teria evitado. Se acaso eu fosse das relações de sua mãe, tê-la-ia com insistência aconselhado a que tomasse uma mestra. Para uma educação perfeita, entendo uma instrução constante e regular, e isso só uma mestra o pode garantir. É espantoso o número de famílias em que eu coloquei mestras. É com prazer que eu recomendo uma rapariga bem educada. Graças aos meus cuidados, quatro sobrinhas da Sr.a Jenkinson encontram-se hoje magnificamente colocadas. Ainda no outro dia falei numa jovem cujo nome ouvira apenas acidentalmente e a família a quem a recomendei ficou muito satisfeita com ela. Sr.a Collins, já lhe contei que Lady Metcalf me veio visitar ontem para me agradecer? Ela está positivamente encantada com a Menina Pope. «Lady Catherine», disse-me ela, «a senhora arranjou-me um tesouro.» Alguma das suas irmãs mais novas já foi apresentada à sociedade, Menina Bennet?

- Sim, minha senhora, todas elas.

- O quê? Todas as cinco de uma vez? É muito estranho. E a menina é apenas a segunda! As mais novas já frequentam a sociedade mesmo antes de as mais velhas se casarem! As suas outras irmãs são muito novinhas?

- A mais nova ainda não fez dezesseis anos. Talvez seja um pouco cedo de mais para fazer vida social, mas, realmente, minha senhora, considero uma crueldade recusar-lhes a sua parte de divertimentos e relações sociais apenas porque a mais velha não teve oportunidade ou inclinação para se casar mais cedo. As mais novas tem os mesmos direitos que as mais velhas aos prazeres da mocidade; e estou em crer que fechá-las em casa não seria um bom meio de promover a afeição fraternal ou a delicadeza de sentimentos.

- Por Deus - disse Lady Catherine -, a menina exprime a sua opinião muito decididamente para uma pessoa tão jovem. Diga-me, quantos anos tem?

- Com três irmãs mais novas já adultas - replicou Elizabeth -, Vossa Excelência não pode esperar que eu lhe dê uma resposta.

Lady Catherine pareceu ficar atónita por não ter recebido uma resposta directa e Elizabeth suspeitou que fora ela a primeira pessoa que jamais ousara ludibriar tão pomposa impertinência.

- A menina não pode ter mais de vinte anos, portanto não precisa de esconder a sua idade.

- Ainda não fiz vinte e um anos.

Depois do chá, quando os cavalheiros se lhes reuniram, prepararam as mesas de jogo. Lady Catherine, Sir William, o Sr. e a Sr.a Collins sentaram-se para o quadrille; e, como a Menina de Bourgh preferisse jogar o «casino», as duas raparigas e a Sr.a Jenkinson tiveram a honra de formar uma segunda mesa com ela. Esta mesa foi extremamente maçadora. Não se ouviu uma sílaba que não se referisse ao jogo, a não ser quando a Sr.a Jenkinson exprimia os seus receios de que a Menina de Bourgh estivesse agasalhada de mais, ou de menos, ou que a luz fosse fraca, ou demasiada. A outra mesa era muito mais animada. Lady Catherine não cessava de falar, apontando os erros dos outros três ou contando algum caso passado consigo. O Sr. Collins estava ocupado em concordar com tudo o que Lady Catherine dizia, agradecendo-lhe cada ponto que ganhava ou pedindo desculpas se achava que estava ganhando demais. Sir William pouco dizia. Procurava afanosamente na sua memória as histórias e os nomes nobres que conhecia.

Quando Lady Catherine e sua filha jogaram o que tinham na vontade, as mesas foram desfeitas, a carruagem foi oferecida à Sr.a Collins, aceite com gratidão e imediatamente chamada. Entretanto, o grupo reuniu-se em torno da lareira para ouvir Lady Catherine lançar os seus oráculos sobre o tempo que faria no dia seguinte. Foi interrompida pela chegada da carruagem; e, depois de muitos agradecimentos da parte do Sr. Collins e outras tantas reverencias de Sir William, eles partiram. Mal tinham transposto a porta, o Sr. Collins pediu à prima que desse a sua opinião sobre tudo o que vira em Rosings. Em atenção de Charlotte, Elizabeth respondeu-lhe mais favoravelmente do que o que na realidade desejava. Os seus louvores, embora lhe tivesse custado algum trabalho, de modo algum foram considerados suficientes pelo Sr. Collins, que imediatamente se sentiu obrigado a tomar ao seu cuidado o elogio de Lady Catherine.


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