quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 50 - Lydia e Wickham chegam em casa do Sr Bennet casados


Capítulo 50 - Lydia e Wickham chegam em casa do Sr Bennet casados


O dia do casamento chegou finalmente; e Jane e Elizabeth sentiram-se mais comovidas do que a própria Lydia. A carruagem foi enviada ao encontro dos noivos, que eram esperados para jantar. Jane e Elizabeth viam com apreensão a hora da chegada; e Jane especialmente, que atribuía a Lydia os sentimentos que ela sentiria em situação idêntica, afligia-se com a ideia do que a irmã iria sofrer.

Chegaram. A família encontrava-se reunida na saleta para os receber. A Sr.a Bennet desfez-se em sorrisos, assim que a carruagem parou à porta; o marido conservava uma expressão grave e impenetrável; e as filhas estavam alarmadas, ansiosas e inquietas.

Ouviram a voz de Lydia no vestíbulo; a porta foi aberta com violência, e ela entrou a correr na sala. A sua mãe adiantou-se e abraçou-a com grandes demonstrações de alegria. Sorrindo afectuosamente, ela estendeu a mão a Wickham, desejando felicidades a ambos com uma alacridade que demonstrava bem que ela não duvidava nem um minuto da realização do seu desejo.

O Sr. Bennet recebeu-os muito menos cordialmente. O seu rosto tornou-se ainda mais grave e mal abriu a boca. A atitude despreocupada do jovem casal era realmente uma provocação. Elizabeth ficou irritada e a própria Jane sentiu consternação. Lydia continuava a mesma; imprudente, indomável, louca, ruidosa e temerária. Falou a cada uma das irmãs exigindo-lhes os parabéns, e, depois de todos se sentarem, pôs-se a olhar à sua volta com curiosidade, notando as pequenas alterações que tinham sido introduzidas naquela sala; depois observou, com uma risada, que há muito tempo que dali partira.

Wickham não se mostrava mais embaraçado do que ela, mas os seus modos eram sempre tão agradáveis que, se o seu carácter fosse sem mancha e o casamento tivesse sido realizado com todo o preceito, os seus sorrisos e atitudes teriam conquistado toda a família. Elizabeth nunca o supusera capaz de um tal cinismo: mas ela sentou-se, resolvendo no seu íntimo nunca mais estabelecer limites à imprudência de um homem sem escrúpulos. Ela corou e Jane também, mas os rostos daqueles que lhes causaram tal perturbação mantinham-se inalteráveis na sua cor.

A conversa era incessante. A noiva e a mãe competiam em exuberância; e Wickham, que se encontrava perto de Elizabeth, começou a perguntar pelos conhecidos na vizinhança, com uma tranquilidade bem-humorada que ela sentiu jamais poder imprimir nas suas respostas. Tanto Wickham como a esposa apenas pareciam ter lembranças agradáveis na sua vida. Nenhum facto passado era lembrado com amargura. Ela própria mencionava assuntos, a que suas irmãs por coisa alguma no mundo aludiriam.

- Imaginem, faz já três meses que me fui embora , exclamou Lydia. - Não me parecem mais do que quinze dias. E, no entanto, tantas coisas aconteceram. Meu Deus! Quando daqui parti, quem me diria que havia de voltar casada! Mas pensei que seria engraçado se o fizesse.

O Sr. Bennet ergueu os olhos, Jane ficou aflita e Elizabeth olhou significativamente para Lydia; esta, porém, continuou, como se não desse por nada:

- Oh, mãe, as pessoas daqui dos arredores sabem que me casei hoje? Receei que eles não soubessem. No caminho cruzámo-nos com William Goulding na sua charrette, e, para que o ficasse sabendo, baixei o vidro, tirei a luva e apoiei a mão no rebordo da janela, para que ele visse bem a minha aliança. Só então o cumprimentei, e não pude conter por mais tempo o meu riso.

Elizabeth achou que tudo aquilo passava dos limites. Levantou-se, saiu e só voltou quando os ouviu passarem para a sala de jantar. Quando se lhes foi juntar chegou ainda a tempo de ver Lydia, que, com uma expressão de ansiedade, se aproximara do lugar à direita da mãe e, dirigindo-se à sua irmã mais velha, lhe dizia:

- Ah, Jane, esse lugar pertence-me agora por direito. Sou a mais importante, dada a minha situação de mulher casada.

Não era suposto que a solenidade daquela hora desse a Lydia o constrangimento que até àquele instante não demonstrara. Pelo contrário, o seu à-vontade e boa disposição pareciam aumentar. Ansiava por voltar a ver a Sr.a Philips, a família Lucas e todos os outros vizinhos e ouvi-los designá-la por «Sr.a Wickham»; e, enquanto isso não acontecia, foi, logo após o jantar, mostrar a aliança à Sr.a Hill e às criadas.

- Bem, mãezinha - disse ela, quando voltou à sala -, que acha do meu marido? Não é um homem encantador? Estou certa de que todas as minhas irmãs me invejam. Só lhes desejo tanta sorte como a minha. Precisam todas de ir a Brighton. É o sitio ideal para se arranjar um marido. Que pena, mãe, não termos ido todas!

- É verdade, se me tivessem dado ouvidos, teríamos ido. Mas minha querida Lydia, não gosto nada que vás para tão longe. Será mesmo necessário?

- Oh, mas claro! Não vejo mal nenhum nisso. Até gosto muito. Os pais e as manas só terão de nos ir visitar. Passaremos em New Castle todo o Inverno. Bailes não faltarão e eu arranjarei par para todas as que forem.

- Adoraria poder ir! - disse a mãe.

- E depois, quando regressassem, poderiam deixar comigo uma ou duas das minhas irmãs. Garanto-lhes que arranjarei maridos para todas elas antes do fim do Inverno.

- Agradeço, pela parte que me toca - disse Elizabeth -, mas não aprecio a tua maneira de arranjar maridos.

Os visitantes não poderiam demorar mais de dez dias. O Sr. Wickham fora nomeado antes de sair de Londres e apenas lhe haviam concedido quinze dias para se reunir ao seu regimento.

Com a excepção da Sr.a Bennet, ninguém mais lamentou que eles se demorassem tão pouco; e esse tempo foi por ela aproveitado da melhor forma possível, fazendo visitas com a sua filha e recebendo frequentemente em sua casa. Tais reuniões vinham ao encontro do desejo de todos; pois escapar ao círculo da família era ainda mais desejável para aqueles que pensavam do que para aqueles que não o faziam.

A afeição de Wickham por Lydia manifestava-se exactamente como Elizabeth o supunha: inferior à que Lydia tinha por ele. Mesmo que não lhe tivesse sido dada a oportunidade de observá-los, chegaria à conclusão lógica de que a fuga se devera mais à paixão dela do que ao interesse dele. E, se não fosse a certeza de que ele tinha fugido porque a sua situação no local se tornara insuportável, Elizabeth surpreender-se-ia pelo facto de Wickham ter raptado a sua irmã sem sentir por ela uma paixão violenta. Como as coisas realmente se passaram, ele não resistira à oportunidade de ter uma companheira para a sua viagem.

Lydia gostava imensamente de Wickham. Ele continuava a ser o seu querido Wickham. Ninguém podia competir com ele no seu coração; e, segundo ela, ele fazia tudo melhor do que ninguém. Certa manhã, pouco depois da sua chegada, encontrando-se sentada junto das duas irmãs mais velhas, Lydia disse para Elizabeth:

- Lizzy, ainda não te contei como foi o nosso casamento. Não estavas presente quando descrevi tudo à mãe e às outras. Não sentes curiosidade em saber como tudo isto se passou?

- Não, para te dizer a verdade - replicou Elizabeth -, e penso que quanto menos se falar no assunto tanto melhor.

- Ora, és tão esquisita! Mas vou-te contar como tudo aconteceu. Como deves saber, casamo-nos na Igreja de St. Clement, pois Wickham pertence àquela paróquia. Combinámos encontrarmo-nos lá às onze horas. Os meus tios e eu iríamos juntos; e os outros encontrar-nos-iam na igreja. Bom, chegou segunda-feira de manhã, e eu estava numa aflição que nem imaginas! Receava que acontecesse algo que viesse adiar o casamento. Teria ficado desesperada! Enquanto me vestia, a nossa tia não parava de falar, como se me estivesse a pregar um sermão. Quase não entendi palavra, pois, como deves calcular, só pensava no meu querido Wickham. Estava doida por saber se ele poria a casaca azul. Bom, tomamos o pequeno-almoço às dez, como de costume. Pensei que nunca mais teria fim; e, a propósito, os tios foram horrivelmente severos para comigo durante todo o tempo que estive com eles. Imagina que não me deixaram sair de casa uma só vez, durante os quinze dias que ali passei. Nem uma festa, nem uma reunião, nada! De facto, Londres encontrava-se praticamente deserta, mas o Little Theatra estava aberto. Bem, quando a carruagem chegou, o meu tio foi detido ainda por alguns instantes para tratar de quaisquer negócios com aquele horrível Sr. Stone; e, como deves saber, quando ele se põe a falar de negócios, nunca mais pára. Eu estava tão assustada que não sabia o que havia de fazer, pois era o tio quem me serviria de padrinho, e, se não estivéssemos lá na horas, seriamos obrigados a deixar o casamento para o dia seguinte. Mas, felizmente, passados dez minutos, ele voltou e partimos todos. Nessa altura, porém, lembrei-me de que, se acaso ele não pudesse ter ido, seria o Sr. Darcy quem o substituiria.
- O Sr. Darcy? - repetiu Elizabeth com um espanto ilimitado.

- Sim, ele tinha ficado de ir com Wickham. Oh, meu Deus, que estou eu para aqui a dizer! Esqueci-me completamente! Nunca deveria ter mencionado tal coisa! Prometi que não o faria! Que é que Wickham não vai dizer? Era segredo!


- Se era segredo - disse Jane -, então não digas mais nada. Tranquiliza-te que nada te perguntaremos.

- Decerto - disse Elizabeth, ardendo em curiosidade. - Nada te perguntaremos.

- Obrigada - disse Lydia -, pois se vocês me perguntassem, eu acabara por tudo lhes contar. E depois Wickham ficaria muito zangado comigo.

Para resistir à tentação, Elizabeth foi obrigada a fugir.

Mas era-lhe impossível viver na ignorância daquele detalhe; ou, pelo menos, era-lhe impossível não tentar informar-se. O Sr. Darcy assistira ao casamento da sua irmã, e nada lhe parecia mais inverosímil e inacreditável. As conjecturas mais loucas atravessaram o seu espirito, sem que nenhuma delas a satisfizesse. As explicações que mais lhe agradavam, e justamente aquelas que o colocavam sob uma luz mais nobre, pareciam-lhe as menos prováveis. Não poderia suportar tal incerteza; e, tomando uma folha de papel, escreveu apressadamente uma curta missiva dirigida a sua tia, pedindo a explicação para o facto a que Lydia aludira, caso não fosse segredo.

«Como deve compreender», acrescentava ela, «tenho curiosidade em saber por que razão uma pessoa que não tem relações com qualquer uma de nós e é quase um estranho à nossa família, se encontrava presente no casamento. Peço-lhe que me escreva sem demora e me explique tudo, a não ser que haja motivos mais fortes para guardar o segredo que Lydia parece achar necessário. Nesse caso, terei de me resignar à minha ignorância.»

«Não, jamais me resignarei», pensou Elizabeth, enquanto terminava a carta: «Mas, minha querida tia, se não mo disser a bem, serei obrigada a lançar mão de estratagemas para o tentar descobrir.»

A delicadeza de Jane não lhe permitia referir a Elizabeth o que Lydia desvendara; mas a Elizabeth só satisfez tal atitude. Preferia não ter uma confidente até saber se a sua curiosidade seria satisfeita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário