quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 33 - Darcy se declara para Elizabeth e a pede em casamento


Capítulo 33 

Darcy se declara para Elizabeth e a pede em casamento


Depois de todos eles terem partido, Elizabeth, como se tencionasse exasperar-se ainda mais contra o Sr. Darcy, escolheu como ocupação a leitura de todas as cartas que Jane lhe enviara, desde que ela, Elizabeth, estava no Kent. Elas não continham nenhuma queixa expressa, nem relembravam acontecimentos passados ou comunicavam sofrimentos presentes. Contudo, em todas elas, em quase cada linha, sentia-se a falta daquela animação que sempre caracterizara o estilo de Jane, e que procedia da serenidade de um espírito tranquilo e bem disposto para consigo mesmo e para com todos. Com uma atenção maior do que na primeira leitura, notava agora a inquietude traída nalgumas frases. A vergonhosa jactância do Sr. Darcy a respeito dos sofrimentos que ele pudesse ter causado fazia que ela sentisse, mais dolorosamente, os sofrimentos de sua irmã. Consolava-a a ideia de que dentro de dois dias ele sairia de Rosings, e, sobretudo, que em menos de quinze dias ela estaria de novo junto de Jane e em situação de, com toda a sua afeição, contribuir para o restabelecimento da sua tranquilidade.

Ao pensar na partida de Darcy, lembrou-se de que o primo também o acompanharia; mas o coronel Fitzwilliam dera claramente a entender que não tinha quaisquer intenções, e, embora ele fosse muito simpático, Elizabeth não estava disposta a sofrer por sua causa.

Enquanto assim pensava, foi subitamente despertada pelo som da campainha da porta. A princípio ficou um pouco emocionada com a ideia de que pudesse ser o coronel Fitzwilliam, que já uma vez aparecera bastante tarde, e que agora viesse saber notícias dela. Esta ideia, porém, foi logo banida e a emoção inteiramente diversa quando viu, para sua imensa surpresa, o Sr. Darcy avançar pela sala. Um pouco em atropelo, ele fez-lhe várias perguntas sobre a sua saúde, atribuindo a sua visita ao desejo de a vir encontrar um pouco melhor. Ela respondeu-lhe com fria amabilidade. Darcy conservou-se sentado durante alguns instantes e depois, levantando-se, pôs-se a passear pela sala. Elizabeth estava espantada, mas nada disse. Após um silêncio de alguns minutos, aproximou-se, agitado, e disse:

- Em vão tenho lutado, mas de nada serve. Os meus sentimentos não podem ser reprimidos e permita-me dizer-lhe que a admiro e a amo ardentemente.

Elizabeth ficou abismada. Olhou-o fixamente, corou, duvidou e não pronunciou palavra. O Sr. Darcy viu nisso um encorajamento e fez-lhe a confissão de tudo o que ele sentia e desde quando ele o sentia. Ele exprimiu-se bem, mas através das suas palavras outros sentimentos podiam ser percebidos, além dos do coração, e ele não falava com maior eloquência da sua ternura do que do seu orgulho. O sentimento da inferioridade de Elizabeth, do rebaixamento que aquele amor representava, os obstáculos da família que a razão sempre opusera à inclinação, foram descritos com um ardor que provinha do triunfo da sua afeição, mas que recomendava pouco as suas pretensões.

Apesar da sua profunda antipatia, Elizabeth nunca poderia permanecer indiferente à paixão de tal homem, e, embora as suas intenções a tal respeito não mudassem por um só instante que fosse, a princípio sentiu pena por se ver obrigada a decepcioná-lo; mas, ressentida de novo com tudo o que ele a seguir lhe disse, ela perdeu toda a compaixão na sua cólera. Procurou, no entanto, dominar-se, para, com paciência, lhe saber responder mal ele acabasse de falar.

Ele concluiu descrevendo a força da sua afeição, que, apesar de todos os seus esforços, não conseguira dominar; e exprimiu a sua esperança de ver essa afeição recompensada pela aceitação de Elizabeth. Elizabeth percebeu, assim, que ele não duvidava de que a sua resposta fosse positiva. Ele falava em apreensão e ansiedade, mas no seu rosto transparecia a certeza. Tal atitude só a exasperava ainda mais, e, quando terminou, o sangue subiu ao rosto de Elizabeth, que lhe disse:

 - Em casos como este, creio que é costume exprimir a nossa gratidão pelos sentimentos que nos são confessados, qualquer que seja a incapacidade de os retribuir. É natural o sentimento de obrigação, e, se eu me sentisse de qualquer modo reconhecida, não deixaria de lhe agradecer. Mas nada disso me é possível; nunca desejei a sua boa opinião, que, aliás, o senhor me confere contra a sua vontade. Custa-me decepcionar alguém. Não é propositadamente que o faço e só me resta esperar que não dure muito. Os sentimentos que, segundo o senhor me disse, o impediram durante muito tempo de reconhecer o seu amor hão-de socorrê-lo facilmente após a presente explicação.

O Sr. Darcy, que estava apoiado contra a cornija da lareira, com os olhos fixos no rosto de Elizabeth, pareceu receber a comunicação dela com um ressentimento não menor do que a sua surpresa. O seu rosto tornou-se pálido de cólera e a perturbação era visível em cada um dos seus traços. Lutava por aparentar serenidade e não ousava pronunciar-se sem que o tivesse conseguido. A pausa era insuportável para Elizabeth. Finalmente, numa voz que ele esforçava por manter calma, disse

- E é esta a única resposta a que eu tinha direito e com a qual tenho de me contentar! Desejaria, talvez, ser informado da razão por que me rejeita assim, sem a menor tentativa de delicadeza da sua parte. Mas não tem importância.

- Também eu poderia perguntar - replicou ela - porque, com o intuito tão evidente de me ofender e insultar, resolveu o senhor dizer-me que gostava de mim contra a sua vontade, contra a sua razão e mesmo contra o seu carácter? Não é essa desculpa suficiente para a minha falta de cortesia? Se é que realmente cometi essa falta. Mas tenho outros motivos para me sentir ferida. O senhor conhece-os bem. Se acaso os meus sentimentos não me indispusessem contra o senhor, se eles lhe fossem indiferentes ou mesmo favoráveis, está convencido de que qualquer consideração me inclinaria a aceitar um homem que arruinou talvez para sempre a felicidade da minha irmã adorada?

Ao ouvir pronunciar tais palavras, o Sr. Darcy mudou de cor; mas a emoção pouco durou, e ele continuou a ouvir sem tentar interrompê-la.

- Tenho mil e uma razões para pensar mal do senhor - prosseguiu Elizabeth. - Nenhum motivo poderá desculpar o acto injusto e mesquinho que praticou. O senhor não ousará, não poderá negar que foi o principal, senão o único, agente na separação daquelas duas pessoas e em expô-las à censura e ao ridículo do mundo, uma delas por capricho e instabilidade e a outra pela decepção das suas esperanças, envolvendo-os aos dois numa situação extremamente embaraçosa.

Ela fez uma pequena pausa e viu, com grande indignação, que ele a escutava com ar de quem não sentia a mais pequena ponta de remorso. Ele olhava-a, até, com um sorriso de incredulidade afectada.

- Acaso nega o que fez? - replicou ela.

Com uma fingida tranquilidade, ele então respondeu:

- Não desejo negar que fiz tudo o que pude para separar o meu amigo da sua irmã; nem tão-pouco negarei que me alegro desse êxito. Fui mais previdente para com ele do que para comigo próprio.

Elizabeth desdenhou mostrar que compreendera a delicadeza desta observação, mas o seu sentido não lhe escapou, nem era de natureza a aplacá-la.

- Mas não é apenas daí que data a minha antipatia - continuou ela. - Muito antes disso já eu tinha opinião formada a seu respeito. O seu carácter foi-me revelado há alguns meses atrás pelo Sr. Wickham. Que se lhe oferece dizer a esse respeito? Que acto imaginário de amizade poderá o senhor alegar para se justificar? Que falsos motivos poderá inventar para iludir os outros?

- A menina denota um ávido interesse por esse cavalheiro - disse Darcy, com uma voz menos firme e corando intensamente.

- Qual a pessoa que conheça o seu infortúnio pode deixar de se interessar por ele?

- O seu infortúnio! - repetiu Darcy, com desprezo. - Sim, o seu infortúnio foi realmente grande.

- E foi o senhor quem o infligiu! - exclamou Elizabeth, energicamente. - Foi o senhor quem o reduziu ao seu estado actual de pobreza, de relativa pobreza. O senhor quem lhe recusou as vantagens que lhe estavam destinadas. Privou-o, durante os melhores anos da sua vida, da independência a que ele tinha direito, e aquela que, aliás, merecia. Tudo isto o senhor fez, e atreve-se agora a ouvir o relato do seu infortúnio com desprezo e ironia.


- É, então, essa a opinião que tem de mim! - exclamou Darcy, caminhando agitado pela sala. - É esse o valor que me dá! Agradeço-lhe por se ter mostrado tão explícita. As minhas faltas, tais como as representa, são realmente pesadas! Mas quem sabe - acrescentou ele, detendo-se no seu passeio e voltando-se para ela - se essas ofensas nunca teriam sido reveladas, acaso eu não tivesse ferido o seu orgulho ao confessar-lhe com toda a sinceridade os escrúpulos que durante tanto tempo me impediram de tomar uma resolução. Poderia ter evitado as suas amargas acusações se me tivesse mostrado mais hábil, escondendo-lhe as minhas lutas e fazendo crer que era movido por uma inclinação a que nada e opunha, nem a razão, nem a reflexão, nem qualquer outro motivo. Mas eu odeio toda a espécie de fingimento; nem tão-pouco me envergonham os sentimentos que lhe exprimi. São naturais e justos. Acaso esperava que me felicitasse pela inferioridade dos seus parentes! Ou que me alegrasse com a esperança de me relacionar com pessoas de condição tão decididamente inferior à minha?

Elizabeth sentia a sua cólera crescer a todo o momento; contudo, esforçou-se por responder serenamente:

- Está enganado, Sr. Darcy. A sua atitude apenas me poupou qualquer sentimento de pena que eu pudesse alimentar ao ter de recusar o seu pedido, acaso ele tivesse sido feito de uma forma mais cavalheiresca.

Ela notou como ele se sobressaltara ao ouvir tais palavras, mas o Sr. Darcy nada disse e ela continuou:

- Eu tê-lo ia recusado de qualquer modo. Nada me persuadiria a aceitar a sua mão.

De novo o seu espanto se tornou evidente; ele olhou-a com incredulidade e mortificação. Ela prosseguiu:

- Desde o princípio, desde o primeiro instante em que o vi, posso afirmá-lo, que as suas maneiras me convenceram de que era um homem arrogante, pretensioso e devotando a maior indiferença pelos sentimentos dos outros. Esta impressão foi tão profunda que constituiu, por assim dizer, o alicerce sobre o qual os acontecimentos subsequentes elevaram uma indestrutível antipatia; e ainda não o conhecia há um mês e já estava convencida de que seria o senhor o último homem no mundo com quem me convenceriam a casar.

- Não precisa acrescentar mais nada, minha senhora. Compreendo perfeitamente os seus sentimentos e nada me resta senão envergonhar-me dos meus. Perdoe-me ter tomado o seu precioso tempo e aceite os meus mais sinceros votos de felicidade.

E com estas palavras ele abandonou apressadamente a sala e, após alguns minutos, Elizabeth ouviu-o abrir a porta da frente e sair. O tumulto no seu espírito tornara-se agora insustentável. Incapaz de se manter de pé, deixou-se cair sobre uma cadeira e chorou durante meia hora. A sua surpresa aumentava a cada recordação do que se passara. Recebera uma proposta de casamento do Sr. Darcy! Há vários meses que ele estava apaixonado por ela! E amava-a tanto que desejava desposá-la apesar de todas as objecções que tinham contribuído para que ele impedisse o casamento do amigo. Era agradável saber que ela tinha inspirado uma afeição tão forte. Mas a piedade que por momentos a ideia de tal paixão suscitara em Elizabeth foi imediatamente sufocada pela do orgulho do Sr. Darcy, o seu abominável orgulho, pela cínica confissão da sua atitude para com Jane, a sua imperdoável tranquilidade ao reconhecer o que tinha feito, embora não o pudesse justificar, e pela maneira desapiedada com que se referira ao Sr. Wickham, sem que tentasse negar a crueldade com que o tinha tratado.

Estas agitadas reflexões prosseguiram torturando-a, até Elizabeth ouvir o ruído da carruagem de Lady Catherine, com o que correu para o seu quarto, pois não se sentia em condições de enfrentar a perspicaz atenção de Charlotte.

9 comentários:

  1. Amei o relato sobre o filme! Parabéns!

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  2. Obrigada! O filme é excelente, porém faltam alguns detalhes contidos no livro.

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  3. Umas das minhas cenas preferidas do filme, senão a minha favorita! Vi o filme há pouco tempo por acaso e adorei cada cena. A Keira Knightley está maravilhosa! Um dos melhores romances que já vi, certamente!

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    1. Certamente que Keira estava fantástica! Nessa hora a fala dela é rápida sem atropelos... e a emoção bem interpretada.

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  4. Eu odeio Elizabeth por ter tratado o Sr. Darcy assim, e por tê-lo ofendido de forma tão injusta e grave. Odeio! Odeio Wickham por existir! Odeio Lydia por não ter concordado em voltar para casa, obrigando o Sr. Darcy a ter Wickham como parente e gastar grande soma de dinheiro com ele e ainda lhe provendo o seu sustento futuro. Odeio a Sra. Bennet por toda frieza e arrogância com as quais sempre tratou o Sr. Darcy. Odeio todos eles! Se eu tivesse escrito essa obra, Sr. Darcy seria um Deus na Terra, amado e idolatrado! rs...

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    1. Não resisti. Precisei responder. Darcy não foi educado ou gentil. Foi mimado e achou que não seria recusado, afinal, ele era o melhor da época vitorina para qualquer mulher. Mas a Elizabeth Bennet tinha suas exigências, ainda que pautada por alguns erros de observação, talvez por ser jovem. As palavras dela foram perfeitas e o colocou no devido lugar, o fez repensar sua condição e se esforçar para estar a altura dela. Jane Austen foi maravilhosa e nos fez amar Darcy por ser capaz de ser o homem a altura de uma mulher como Lizzie.

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  5. Afffffff que aflição por esse capítulo! Sei que os dois tem erros, mas me coloco no lugar da Lizzy por ter que passar por tudo isso e ainda vem o Darcy e vai pedi-la em casamento!
    Mesmo amando o casal sei que não é um bom momento para estarem juntos, é preciso pensar nas suas ações, pois o Darcy é muito orgulhoso,se acha melhor que todos, e a Elizabeth é muito julgadora, não tenta se colocar no lugar do outro, mas enfim espero que fiquem juntos ♡ e tudo se resolva eee que o Darcy explique o seu lado.

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