quinta-feira, 17 de maio de 2012

Capítulo 21 - Sr. Collins e Charlotte ficam noivos

 Cap. 21

Sr. Collins e Charlotte ficam noivos

Os Bennet foram convidados para jantar com a família Lucas e de novo a Menina Lucas se prestou à amabilidade de fazer companhia ao Sr. Collins durante grande parte do dia. Elizabeth aproveitou, em dada ocasião, para lho agradecer.

- Tu entreténs-lo - disse-lhe ela - e fico-te extremamente grata por isso.

Charlotte asseverou a amiga de que era para ela uma satisfação saber-se de alguma utilidade e que se sentia com isso amplamente recompensada pelo pequeno sacrifício do seu tempo. Era, sem dúvida, muito simpático da sua parte, mas a generosidade de Charlotte ia mais além daquilo que Elizabeth pudesse alguma vez supor; o seu objectivo resumia-se em poupar, de facto, a amiga a um possível retorno das atenções do Sr. Collins, mas, ao fazê-lo, atrair para si essas mesmas atenções. Tal era o esquema da Menina Lucas; e as perspectivas pareciam tão favoráveis que, à noite, quando se separaram, ela sentir-se-ia segura de um bom êxito, não fosse ele ter de abandonar Hertfordshire em breve. Mas neste ponto não deu o devido valor ao ardor e independência do carácter do cavalheiro, que o levaram na manhã seguinte a esgueirar-se de Longbourn com admirável astúcia e tomar resolutamente o caminho da casa dos Lucas, para se lançar a seus pés. A sua intenção ao procurar passar desapercebido baseava-se na convicção de que, acaso as primas o vissem partir, elas não deixariam de adivinhar o seu objectivo, e ele não estava disposto a dar a conhecer o empreendimento senão quando tivesse a certeza do seu êxito total; pois, embora se sentisse seguro, e com razão, visto Charlotte se ter mostrado suficientemente encorajadora, não conseguia evitar uma certa desconfiança desde a aventura de quarta-feira passada.

A sua recepção, contudo, foi extremamente lisonjeira. A Menina Lucas, que de uma janela o avistara caminhando na direcção da casa, imediatamente saiu para, acidentalmente, com ele se cruzar na azinhaga. Porém, nunca ela ousou supor ir ao encontro de tanto amor e eloquência.

Em tão pouco tempo quanto os longos discursos do Sr. Collins o permitiram tudo ficou decidido entre eles, a contento de ambos; e, ao entrarem em casa, ele gravemente rogou-lhe que fixasse o dia que o tornaria no mais feliz dos mortais; e, embora tal solicitação devesse por ora ser adiada, a donzela não se sentia inclinada a menosprezar a felicidade dele. A estupidez de que a natureza o dotara preservaria a sua corte de todo o encanto que pudesse levar uma mulher a desejar a sua duração; e a Menina Lucas, que o aceitara unicamente pelo simples e desinteressado desejo de se estabelecer, não via inconveniente quanto à brevidade com que o realizaria.

Sir William e Lady Lucas foram prontamente convocados a dar o seu consentimento, o qual foi concedido com um entusiasmo esfuziante. A actual condição do Sr. Collins tornava a união bastante vantajosa para sua filha, a quem não tinham grande fortuna para deixar; além de que as perspectivas dele quanto ao futuro eram extremamente promissoras. Lady Lucas viu-se no mesmo instante a calcular, com um interesse maior, que o assunto alguma vez lhe suscitara, por quantos anos viveria ainda o Sr. Bennet; e Sir William frisou, categórico, que, uma vez na posse de Longbourn, o Sr. Collins veria chegado o momento oportuno para se apresentar com a mulher em St. James. Em resumo, toda a família se regozijou particularmente pela ocasião. As raparigas mais novas afagaram a esperança de «aparecer» em sociedade um ano ou dois mais cedo do que de outro modo teria acontecido; e os rapazes libertaram-se da sua apreensão de ver Charlotte chegar ao fim da sua vida como uma velha solteirona. A própria Charlotte se mostrava radiante. Uma vez atingido o seu fim, tinha todo o tempo disponível para reflectir sobre ele. O resultado das suas reflexões era, em geral, satisfatório. O Sr. Collins, com efeito, não era um homem sensato, nem agradável, tão-pouco; em convívio tornava-se terrivelmente enfadonho e o seu afecto por ela era, sem dúvida, simples fruto da imaginação. Contudo, seria ele o seu marido. Sem que nunca tivesse devotado uma atenção especial aos homens ou ao matrimônio, considerara sempre o casamento como o seu objectivo último; era, aos seus olhos, a única precaução respeitável susceptível de ser tomada pelas jovens educadas e de pequena fortuna, e, embora nem sempre garantisse a felicidade, não deixaria de ser o refúgio mais agradável perante a iminência de uma vida necessitada. Esse refúgio, ela acabara de o atingir; e, com vinte e sete anos de idade, sem que nunca tivesse sido bonita, ela sentia-se plenamente satisfeita por isso. A perspectiva menos agradável que se lhe oferecia era a surpresa que iria causar em Elizabeth Bennet, cuja amizade ela estimava acima da de qualquer outra pessoa. Elizabeth admirar-se-ia da sua atitude e não deixaria de a censurar; e, embora não permitisse que a sua resolução fosse de algum modo abalada, não poderia deixar de sentir-se ferida por tal desaprovação. Decidiu informá-la ela própria, e, como medida, instruiu o Sr. Collins para que, quando de regresso a Longbourn, não deixasse escapar qualquer alusão ao assunto. A promessa de manter o segredo foi, naturalmente, feita com pronta submissão, mas não poderia ser mantida de ânimo leve, pois a curiosidade suscitada pela sua longa ausência irrompeu, por altura do seu regresso, em perguntas tão incisivas que requeria uma certa habilidade em iludi-las, quando, para mais, ele estava exercitando grande abnegação, pois era enorme a sua ansiedade em tornar do domínio público o seu bem sucedido amor.

Como a sua partida no dia seguinte estava marcada para hora bastante matinal, a cerimônia das despedidas teve lugar naquela mesma noite, pouco antes de as senhoras se retirarem. A Sr.a Bennet, extremamente delicada e cordial, disse-lhe da felicidade que, todos teriam em vê-lo de novo em Longbourn, sempre que os seus outros compromissos lho permitissem.

- Minha querida senhora - replicou ele -, o seu convite afecta-me particularmente, pois outra coisa eu não esperava; e pode estar certa de que dentro em breve o utilizarei.

Houve surpresa geral; e o Sr. Bennet, que não tinha qualquer desejo em tornar a vê-lo tão cedo, imediatamente disse:

- Mas não haverá o perigo de incorrer no desagrado de Lady Catherine? É preferível negligenciar os seus parentes a correr o risco de ofender a sua patrona.

- Meu caro senhor - replicou o Sr. Collins -, estou-lhe particularmente agradecido por tão amável advertência e fique ciente de que não darei tal passo sem a aprovação explícita de Sua Excelência.

- Uma certa cautela nunca é demasiada. Arrisque tudo, excepto dar-lhe motivo para desagrado; e, acaso o senhor receie poder vir a suscitá-lo ao pretender regressar para junto de nós, o que eu considero quase como uma certeza, deixe-se ficar pacatamente em sua casa e não pense que nos sentiremos melindrados com isso.

- Acredite-me, meu caro senhor, que não tenho palavras para agradecer tão afectuosa atenção; e pode, muito em breve, contar com uma missiva da minha parte em agradecimento por esta sua atitude e por todas as outras provas de atenção de que fui alvo durante a minha estada no Hertfordshire. Quanto às minhas formosas primas, embora a minha ausência não deva ser tão longa que o justifique, aqui tomo a liberdade de lhes desejar muita saúde e felicidades, não exceptuando a minha prima Elizabeth.

Com as adequadas manifestações de delicadeza, as senhoras retiraram-se finalmente, comentando entre si a sua igual surpresa por o ver planear um pronto regresso. A Sr.a Bennet insistia em não encontrar outra explicação senão no facto de ele tencionar transferir as suas atenções para uma das suas filhas mais novas e considerou que Mary seria aquela que mais facilmente se convenceria a aceitá-lo. De facto, ela tinha das faculdades dele uma opinião mais elevada que qualquer uma das outras; constatara uma solidez nas suas reflexões que por várias vezes a impressionou, e, embora não o considerasse de modo algum tão inteligente como ela própria, acreditava que, por meio do seu exemplo, ele se dedicaria mais aos livros, num esforço de se aperfeiçoar, tornando-se possivelmente até num companheiro bastante agradável. Na manhã seguinte, contudo, todas estas esperanças se desvaneceram. A Menina Lucas fez o seu aparecimento logo após o pequeno-almoço e, numa entrevista a sós com Elizabeth, pô-la ao corrente do acontecimento da véspera.

Que o Sr. Collins pudesse ter tido a ideia de morrer de amores pela sua amiga, ocorrera a Elizabeth pensar uma vez, pelo menos, naqueles dois últimos dias; mas que a própria Charlotte o tivesse encorajado parecia-lhe tão impossível que o seu pasmo ultrapassou os limites do decoro e a levou a exclamar:

- Noiva do Sr. Collins, minha querida Charlotte!... É impossível!

A expressão séria e decidida que a Menina Lucas conservara durante o relato da sua história cedeu perante uma perturbação passageira ao ouvir censura tão declarada, mas, como não era mais do que aquilo que já esperava, em breve recuperou a serenidade e calmamente respondeu:

- Porque te surpreendes assim, querida Elizabeth? Acaso consideras o Sr. Collins incapaz de granjear a boa opinião de uma mulher, só porque ele não teve a felicidade de conquistar a tua?

Mas Elizabeth recompôs-se a tempo e, por meio de um grande esforço, foi capaz de, numa voz razoavelmente firme, assegurar a amiga da satisfação que lhe dava a perspectiva de um parentesco entre elas e desejar-lhe uma felicidade imensa.

- Sei o que pensas - replicou Charlotte -, deves estar surpreendida, muitíssimo surpreendida até... ainda há tão poucos dias o Sr. Collins pretendia casar contigo. Mas, quando te deres ao trabalho de reflectir em tudo isto, estou certa de que concordarás comigo. Como deves saber, eu não sou uma romântica. Nunca o fui. Apenas desejo um lar confortável; e, considerando o carácter do Sr. Collins, as suas relações e situação na vida, estou convencida de que as probabilidades que se me oferecem de vir a ser feliz com ele são tantas quanto as da maioria ao darem tal passo.

Elizabeth, serenamente, respondeu:

- Sem dúvida! - e, após uma pausa embaraçosa, foram juntar-se ao resto da família. Charlotte não se demorou muito mais e Elizabeth pôde então reflectir sobre o que acabara de ouvir. Levou muito tempo a reconciliar-se com a ideia de casamento tão absurdo. A singularidade de o Sr. Collins fazer dois pedidos de casamento num prazo de três dias nada era em comparação com o facto de ter sido agora aceite. Ela sempre sentira que as ideias de Charlotte não correspondiam exactamente às suas, mas nunca supusera que, uma vez perante a realidade, ela fosse capaz de sacrificar o sentimento a considerações de ordem material. Charlotte, como esposa do Sr. Collins, oferecia-lhe uma imagem extremamente humilhante! E à dor de uma amiga desgraçando-se a si própria e deteriorando-se na sua estima juntava-se a convicção aflitiva de que era impossível a essa amiga encontrar a felicidade no caminho que escolhera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário