Cap. 21
Sr. Collins e Charlotte ficam noivos
Os Bennet foram convidados para jantar com a família Lucas e de novo a Menina Lucas se prestou à amabilidade de fazer companhia ao Sr. Collins durante grande parte do dia. Elizabeth aproveitou, em dada ocasião, para lho agradecer.
- Tu
entreténs-lo - disse-lhe ela - e fico-te extremamente grata por isso.
Charlotte
asseverou a amiga de que era para ela uma satisfação saber-se de alguma
utilidade e que se sentia com isso amplamente recompensada pelo pequeno
sacrifício do seu tempo. Era, sem dúvida, muito simpático da sua parte, mas a
generosidade de Charlotte ia mais além daquilo que Elizabeth pudesse alguma vez
supor; o seu objectivo resumia-se em poupar, de facto, a amiga a um possível
retorno das atenções do Sr. Collins, mas, ao fazê-lo, atrair para si essas
mesmas atenções. Tal era o esquema da Menina Lucas; e as perspectivas pareciam
tão favoráveis que, à noite, quando se separaram, ela sentir-se-ia segura de um
bom êxito, não fosse ele ter de abandonar Hertfordshire em breve. Mas neste
ponto não deu o devido valor ao ardor e independência do carácter do
cavalheiro, que o levaram na manhã seguinte a esgueirar-se de Longbourn com
admirável astúcia e tomar resolutamente o caminho da casa dos Lucas, para se
lançar a seus pés. A sua intenção ao procurar passar desapercebido baseava-se
na convicção de que, acaso as primas o vissem partir, elas não deixariam de
adivinhar o seu objectivo, e ele não estava disposto a dar a conhecer o
empreendimento senão quando tivesse a certeza do seu êxito total; pois, embora
se sentisse seguro, e com razão, visto Charlotte se ter mostrado
suficientemente encorajadora, não conseguia
evitar uma certa desconfiança desde a aventura de quarta-feira passada.
A sua recepção,
contudo, foi extremamente lisonjeira. A Menina Lucas, que de uma janela o
avistara caminhando na direcção da casa, imediatamente saiu para, acidentalmente,
com ele se cruzar na azinhaga. Porém, nunca ela ousou supor ir ao encontro de
tanto amor e eloquência.
Em tão pouco
tempo quanto os longos discursos do Sr. Collins o permitiram tudo ficou
decidido entre eles, a contento de ambos; e, ao entrarem em casa, ele
gravemente rogou-lhe que fixasse o dia que o tornaria no mais feliz dos
mortais; e, embora tal solicitação devesse por ora ser adiada, a donzela não se
sentia inclinada a menosprezar a felicidade dele. A estupidez de que a natureza
o dotara preservaria a sua corte de todo o encanto que pudesse levar uma mulher
a desejar a sua duração; e a Menina Lucas, que o aceitara unicamente pelo
simples e desinteressado desejo de se estabelecer, não via inconveniente quanto
à brevidade com que o realizaria.
Sir William e
Lady Lucas foram prontamente convocados a dar o seu consentimento, o qual foi
concedido com um entusiasmo esfuziante. A actual condição do Sr. Collins
tornava a união bastante vantajosa para sua filha, a quem não tinham grande
fortuna para deixar; além de que as perspectivas dele quanto ao futuro eram
extremamente promissoras. Lady Lucas viu-se no mesmo instante a calcular, com
um interesse maior, que o assunto alguma vez lhe suscitara, por quantos anos
viveria ainda o Sr. Bennet; e Sir William frisou, categórico, que, uma vez na
posse de Longbourn, o Sr. Collins veria chegado o momento oportuno para se
apresentar com a mulher em St. James. Em resumo, toda a família se regozijou
particularmente pela ocasião. As raparigas mais novas afagaram a esperança de
«aparecer» em sociedade um ano ou dois mais cedo do que de outro modo teria
acontecido; e os rapazes libertaram-se da sua apreensão de ver Charlotte chegar
ao fim da sua vida como uma velha solteirona. A própria Charlotte se mostrava
radiante. Uma vez atingido o seu fim, tinha todo o tempo disponível para
reflectir sobre ele. O resultado das suas reflexões era, em geral,
satisfatório. O Sr. Collins, com efeito, não era um homem sensato, nem
agradável, tão-pouco; em convívio tornava-se terrivelmente enfadonho e o seu
afecto por ela era, sem dúvida, simples fruto da imaginação. Contudo, seria ele
o seu marido. Sem que nunca tivesse devotado uma atenção especial aos homens ou
ao matrimônio, considerara sempre o casamento como o seu objectivo último; era,
aos seus olhos, a única precaução respeitável susceptível de ser tomada pelas
jovens educadas e de pequena fortuna, e, embora nem sempre garantisse a
felicidade, não deixaria de ser o refúgio mais agradável perante a iminência de
uma vida necessitada. Esse refúgio, ela acabara de o atingir; e, com vinte e
sete anos de idade, sem que nunca tivesse sido bonita, ela sentia-se plenamente
satisfeita por isso. A perspectiva menos agradável que se lhe oferecia era a
surpresa que iria causar em Elizabeth Bennet, cuja amizade ela estimava acima
da de qualquer outra pessoa. Elizabeth admirar-se-ia da sua atitude e não
deixaria de a censurar; e, embora não permitisse que a sua resolução fosse de
algum modo abalada, não poderia deixar de sentir-se ferida por tal
desaprovação. Decidiu informá-la ela própria, e, como medida, instruiu o Sr.
Collins para que, quando de regresso a Longbourn, não deixasse escapar qualquer
alusão ao assunto. A promessa de manter o segredo foi, naturalmente, feita com
pronta submissão, mas não poderia ser mantida de ânimo leve, pois a curiosidade
suscitada pela sua longa ausência irrompeu, por altura do seu regresso, em
perguntas tão incisivas que requeria uma certa habilidade em iludi-las, quando,
para mais, ele estava exercitando grande abnegação, pois era enorme a sua
ansiedade em tornar do domínio público o seu bem sucedido amor.
Como a sua
partida no dia seguinte estava marcada para hora bastante matinal, a cerimônia
das despedidas teve lugar naquela mesma noite, pouco antes de as senhoras se
retirarem. A Sr.a Bennet, extremamente delicada e cordial, disse-lhe da
felicidade que, todos teriam em vê-lo de novo em Longbourn, sempre que os seus
outros compromissos lho permitissem.
- Minha querida
senhora - replicou ele -, o seu convite afecta-me particularmente, pois outra
coisa eu não esperava; e pode estar certa de que dentro em breve o utilizarei.
Houve surpresa
geral; e o Sr. Bennet, que não tinha qualquer desejo em tornar a vê-lo tão
cedo, imediatamente disse:
- Mas não haverá
o perigo de incorrer no desagrado de Lady Catherine? É preferível negligenciar
os seus parentes a correr o risco de ofender a sua patrona.
- Meu caro
senhor - replicou o Sr. Collins -, estou-lhe particularmente agradecido por tão
amável advertência e fique ciente de que não darei tal passo sem a aprovação
explícita de Sua Excelência.
- Uma certa
cautela nunca é demasiada. Arrisque tudo, excepto dar-lhe motivo para
desagrado; e, acaso o senhor receie poder vir a suscitá-lo ao pretender
regressar para junto de nós, o que eu considero quase como uma certeza,
deixe-se ficar pacatamente em sua casa e não pense que nos sentiremos
melindrados com isso.
- Acredite-me,
meu caro senhor, que não tenho palavras para agradecer tão afectuosa atenção; e
pode, muito em breve, contar com uma missiva da minha parte em agradecimento
por esta sua atitude e por todas as outras provas de atenção de que fui alvo
durante a minha estada no Hertfordshire. Quanto às minhas formosas primas,
embora a minha ausência não deva ser tão longa que o justifique, aqui tomo a
liberdade de lhes desejar muita saúde e felicidades, não exceptuando a minha
prima Elizabeth.
Com as adequadas
manifestações de delicadeza, as senhoras retiraram-se finalmente, comentando
entre si a sua igual surpresa por o ver planear um pronto regresso. A Sr.a
Bennet insistia em não encontrar outra explicação senão no facto de ele
tencionar transferir as suas atenções para uma das suas filhas mais novas e
considerou que Mary seria aquela que mais facilmente se convenceria a
aceitá-lo. De facto, ela tinha das faculdades dele uma opinião mais elevada que
qualquer uma das outras; constatara uma solidez nas suas reflexões que por
várias vezes a impressionou, e, embora não o considerasse de modo algum tão
inteligente como ela própria, acreditava que, por meio do seu exemplo, ele se
dedicaria mais aos livros, num esforço de se aperfeiçoar, tornando-se
possivelmente até num companheiro bastante agradável. Na manhã seguinte,
contudo, todas estas esperanças se desvaneceram. A Menina Lucas fez o seu
aparecimento logo após o pequeno-almoço e, numa entrevista a sós com Elizabeth,
pô-la ao corrente do acontecimento da véspera.
Que o Sr.
Collins pudesse ter tido a ideia de morrer de amores pela sua amiga, ocorrera a
Elizabeth pensar uma vez, pelo menos, naqueles dois últimos dias; mas que a
própria Charlotte o
tivesse encorajado parecia-lhe tão impossível que o seu pasmo ultrapassou os
limites do decoro e a levou a exclamar:
- Noiva do Sr.
Collins, minha querida Charlotte!... É impossível!
A expressão
séria e decidida que a Menina Lucas conservara durante o relato da sua história
cedeu perante uma perturbação passageira ao ouvir censura tão declarada, mas,
como não era mais do que aquilo que já esperava, em breve recuperou a
serenidade e calmamente respondeu:
- Porque te
surpreendes assim, querida Elizabeth? Acaso consideras o Sr. Collins incapaz de
granjear a boa opinião de uma mulher, só porque ele não teve a felicidade de
conquistar a tua?
Mas Elizabeth
recompôs-se a tempo e, por meio de um grande esforço, foi capaz de, numa voz
razoavelmente firme, assegurar a amiga da satisfação que lhe dava a perspectiva
de um parentesco entre elas e desejar-lhe uma felicidade imensa.
- Sei o que
pensas - replicou Charlotte -, deves estar surpreendida, muitíssimo
surpreendida até... ainda há tão poucos dias o Sr. Collins pretendia casar
contigo. Mas, quando te deres ao trabalho de reflectir em tudo isto, estou
certa de que concordarás comigo. Como deves saber, eu não sou uma romântica.
Nunca o fui. Apenas desejo um lar confortável; e, considerando o carácter do
Sr. Collins, as suas relações e situação na vida, estou convencida de que as
probabilidades que se me oferecem de vir a ser feliz com ele são tantas quanto
as da maioria ao darem tal passo.
- Sem dúvida! -
e, após uma pausa embaraçosa, foram juntar-se ao resto da família. Charlotte
não se demorou muito mais e Elizabeth pôde então reflectir sobre o que acabara
de ouvir. Levou muito tempo a reconciliar-se com a ideia de casamento tão
absurdo. A singularidade de o Sr. Collins fazer dois pedidos de casamento num
prazo de três dias nada era em comparação com o facto de ter sido agora aceite.
Ela sempre sentira que as ideias de Charlotte não correspondiam exactamente às
suas, mas nunca supusera que, uma vez perante a realidade, ela fosse capaz de
sacrificar o sentimento a considerações de ordem material. Charlotte, como
esposa do Sr. Collins, oferecia-lhe uma imagem extremamente humilhante! E à dor
de uma amiga desgraçando-se a si própria e deteriorando-se na sua estima
juntava-se a convicção aflitiva de que era impossível a essa amiga encontrar a
felicidade no caminho que escolhera.
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