Capítulo 33
Darcy se declara para Elizabeth e a pede em casamento
Depois de todos eles terem partido, Elizabeth, como se tencionasse exasperar-se ainda mais contra o Sr. Darcy, escolheu como ocupação a leitura de todas as cartas que Jane lhe enviara, desde que ela, Elizabeth, estava no Kent. Elas não continham nenhuma queixa expressa, nem relembravam acontecimentos passados ou comunicavam sofrimentos presentes. Contudo, em todas elas, em quase cada linha, sentia-se a falta daquela animação que sempre caracterizara o estilo de Jane, e que procedia da serenidade de um espírito tranquilo e bem disposto para consigo mesmo e para com todos. Com uma atenção maior do que na primeira leitura, notava agora a inquietude traída nalgumas frases. A vergonhosa jactância do Sr. Darcy a respeito dos sofrimentos que ele pudesse ter causado fazia que ela sentisse, mais dolorosamente, os sofrimentos de sua irmã. Consolava-a a ideia de que dentro de dois dias ele sairia de Rosings, e, sobretudo, que em menos de quinze dias ela estaria de novo junto de Jane e em situação de, com toda a sua afeição, contribuir para o restabelecimento da sua tranquilidade.
Ao pensar na
partida de Darcy, lembrou-se de que o primo também o acompanharia; mas o
coronel Fitzwilliam dera claramente a entender que não tinha quaisquer
intenções, e, embora ele fosse muito simpático, Elizabeth não estava disposta a
sofrer por sua causa.
Enquanto assim
pensava, foi subitamente despertada pelo som da campainha da porta. A princípio
ficou um pouco emocionada com a ideia de que pudesse ser o coronel Fitzwilliam,
que já uma vez aparecera bastante tarde, e que agora viesse saber notícias
dela. Esta ideia, porém, foi logo banida e a emoção inteiramente diversa quando
viu, para sua imensa surpresa, o Sr. Darcy avançar pela sala. Um pouco em
atropelo, ele fez-lhe várias perguntas sobre a sua saúde, atribuindo a sua
visita ao desejo de a vir encontrar um pouco melhor. Ela respondeu-lhe com fria
amabilidade. Darcy conservou-se sentado durante alguns instantes e depois,
levantando-se, pôs-se a passear pela sala. Elizabeth estava espantada, mas nada
disse. Após um silêncio de alguns minutos, aproximou-se, agitado, e disse:
- Em vão tenho
lutado, mas de nada serve. Os meus sentimentos não podem ser reprimidos e
permita-me dizer-lhe que a admiro e a amo ardentemente.
Elizabeth ficou
abismada. Olhou-o fixamente, corou, duvidou e não pronunciou palavra. O Sr.
Darcy viu nisso um encorajamento e fez-lhe a confissão de tudo o que ele sentia
e desde quando ele o sentia. Ele exprimiu-se bem, mas através das suas palavras
outros sentimentos podiam ser percebidos, além dos do coração, e ele não falava
com maior eloquência da sua ternura do que do seu orgulho. O sentimento da
inferioridade de Elizabeth, do rebaixamento que aquele amor representava, os
obstáculos da família que a razão sempre opusera à inclinação, foram descritos
com um ardor que provinha do triunfo da sua afeição, mas que recomendava pouco
as suas pretensões.
Apesar da sua
profunda antipatia, Elizabeth nunca poderia permanecer indiferente à paixão de
tal homem, e, embora as suas intenções a tal respeito não mudassem por um só
instante que fosse, a princípio sentiu pena por se ver obrigada a
decepcioná-lo; mas, ressentida de novo com tudo o que ele a seguir lhe disse,
ela perdeu toda a compaixão na sua cólera. Procurou, no entanto, dominar-se,
para, com paciência, lhe saber responder mal ele acabasse de falar.
Ele concluiu
descrevendo a força da sua afeição, que, apesar de todos os seus esforços, não
conseguira dominar; e exprimiu a sua esperança de ver essa afeição recompensada
pela aceitação de Elizabeth. Elizabeth percebeu, assim, que ele não duvidava de
que a sua resposta fosse positiva. Ele falava em apreensão e ansiedade, mas no
seu rosto transparecia a certeza. Tal atitude só a exasperava ainda mais, e,
quando terminou, o sangue subiu ao rosto de Elizabeth, que lhe disse:
- Em casos como este, creio que é costume exprimir a nossa gratidão pelos sentimentos que nos são confessados, qualquer que seja a incapacidade de os retribuir. É natural o sentimento de obrigação, e, se eu me sentisse de qualquer modo reconhecida, não deixaria de lhe agradecer. Mas nada disso me é possível; nunca desejei a sua boa opinião, que, aliás, o senhor me confere contra a sua vontade. Custa-me decepcionar alguém. Não é propositadamente que o faço e só me resta esperar que não dure muito. Os sentimentos que, segundo o senhor me disse, o impediram durante muito tempo de reconhecer o seu amor hão-de socorrê-lo facilmente após a presente explicação.
- Em casos como este, creio que é costume exprimir a nossa gratidão pelos sentimentos que nos são confessados, qualquer que seja a incapacidade de os retribuir. É natural o sentimento de obrigação, e, se eu me sentisse de qualquer modo reconhecida, não deixaria de lhe agradecer. Mas nada disso me é possível; nunca desejei a sua boa opinião, que, aliás, o senhor me confere contra a sua vontade. Custa-me decepcionar alguém. Não é propositadamente que o faço e só me resta esperar que não dure muito. Os sentimentos que, segundo o senhor me disse, o impediram durante muito tempo de reconhecer o seu amor hão-de socorrê-lo facilmente após a presente explicação.
O Sr. Darcy, que
estava apoiado contra a cornija da lareira, com os olhos fixos no rosto de
Elizabeth, pareceu receber a comunicação dela com um ressentimento não menor do
que a sua surpresa. O seu rosto tornou-se pálido de cólera e a perturbação era
visível em cada um dos seus traços. Lutava por aparentar serenidade e não
ousava pronunciar-se sem que o tivesse conseguido. A pausa era insuportável
para Elizabeth. Finalmente, numa voz que ele esforçava por manter calma, disse
- E é esta a
única resposta a que eu tinha direito e com a qual tenho de me contentar!
Desejaria, talvez, ser informado da razão por que me rejeita assim, sem a menor
tentativa de delicadeza da sua parte. Mas não tem importância.
- Também eu
poderia perguntar - replicou ela - porque, com o intuito tão evidente de me
ofender e insultar, resolveu o senhor dizer-me que gostava de mim contra a sua
vontade, contra a sua razão e mesmo contra o seu carácter? Não é essa desculpa
suficiente para a minha falta de cortesia? Se é que realmente cometi essa
falta. Mas tenho outros motivos para me sentir ferida. O senhor conhece-os bem.
Se acaso os meus sentimentos não me indispusessem contra o senhor, se eles lhe
fossem indiferentes ou mesmo favoráveis, está convencido de que qualquer
consideração me inclinaria a aceitar um homem que arruinou talvez para sempre a
felicidade da minha irmã adorada?
Ao ouvir
pronunciar tais palavras, o Sr. Darcy mudou de cor; mas a emoção pouco durou, e
ele continuou a ouvir sem tentar interrompê-la.
- Tenho mil e
uma razões para pensar mal do senhor - prosseguiu Elizabeth. - Nenhum motivo
poderá desculpar o acto injusto e mesquinho que praticou. O senhor não ousará,
não poderá negar que foi o principal, senão o único, agente na separação
daquelas duas pessoas e em expô-las à censura e ao ridículo do mundo, uma delas
por capricho e instabilidade e a outra pela decepção das suas esperanças,
envolvendo-os aos dois numa situação extremamente embaraçosa.
Ela fez uma
pequena pausa e viu, com grande indignação, que ele a escutava com ar de quem
não sentia a mais pequena ponta de remorso. Ele olhava-a, até, com um sorriso
de incredulidade afectada.
- Acaso nega o
que fez? - replicou ela.
Com uma fingida
tranquilidade, ele então respondeu:
- Não desejo
negar que fiz tudo o que pude para separar o meu amigo da sua irmã; nem
tão-pouco negarei que me alegro desse êxito. Fui mais previdente para com ele
do que para comigo próprio.
Elizabeth
desdenhou mostrar que compreendera a delicadeza desta observação, mas o seu
sentido não lhe escapou, nem era de natureza a aplacá-la.
- Mas não é
apenas daí que data a minha antipatia - continuou ela. - Muito antes disso já
eu tinha opinião formada a seu respeito. O seu carácter foi-me revelado há
alguns meses atrás pelo Sr. Wickham. Que se lhe oferece dizer a esse respeito?
Que acto imaginário de amizade poderá o senhor alegar para se justificar? Que
falsos motivos poderá inventar para iludir os outros?
- A menina
denota um ávido interesse por esse cavalheiro - disse Darcy, com uma voz menos
firme e corando intensamente.
- Qual a pessoa
que conheça o seu infortúnio pode deixar de se interessar por ele?
- O seu
infortúnio! - repetiu Darcy, com desprezo. - Sim, o seu infortúnio foi
realmente grande.
- E foi o senhor
quem o infligiu! - exclamou Elizabeth, energicamente. - Foi o senhor quem o
reduziu ao seu estado actual de pobreza, de relativa pobreza. O senhor quem lhe
recusou as vantagens que lhe estavam destinadas. Privou-o, durante os melhores
anos da sua vida, da independência a que ele tinha direito, e aquela que,
aliás, merecia. Tudo isto o senhor fez, e atreve-se agora a ouvir o relato do
seu infortúnio com desprezo e ironia.
- É, então, essa
a opinião que tem de mim! - exclamou Darcy, caminhando agitado pela sala. - É
esse o valor que me dá! Agradeço-lhe por se ter mostrado tão explícita. As
minhas faltas, tais como as representa, são realmente pesadas! Mas quem sabe -
acrescentou ele, detendo-se no seu passeio e voltando-se para ela - se essas
ofensas nunca teriam sido reveladas, acaso eu não tivesse ferido o seu orgulho
ao confessar-lhe com toda a sinceridade os escrúpulos que durante tanto tempo
me impediram de tomar uma resolução. Poderia ter evitado as suas amargas
acusações se me tivesse mostrado mais hábil, escondendo-lhe as minhas lutas e
fazendo crer que era movido por uma inclinação a que nada e opunha, nem a
razão, nem a reflexão, nem qualquer outro motivo. Mas eu odeio toda a espécie
de fingimento; nem tão-pouco me envergonham os sentimentos que lhe exprimi. São
naturais e justos. Acaso esperava que me felicitasse pela inferioridade dos
seus parentes! Ou que me alegrasse com a esperança de me relacionar com pessoas
de condição tão decididamente inferior à minha?
Elizabeth sentia
a sua cólera crescer a todo o momento; contudo, esforçou-se por responder
serenamente:
- Está enganado,
Sr. Darcy. A sua atitude apenas me poupou qualquer sentimento de pena que eu
pudesse alimentar ao ter de recusar o seu pedido, acaso ele tivesse sido feito
de uma forma mais cavalheiresca.
Ela notou como
ele se sobressaltara ao ouvir tais palavras, mas o Sr. Darcy nada disse e ela
continuou:
- Eu tê-lo ia
recusado de qualquer modo. Nada me persuadiria a aceitar a sua mão.
De novo o seu
espanto se tornou evidente; ele olhou-a com incredulidade e mortificação. Ela
prosseguiu:
- Desde o
princípio, desde o primeiro instante em que o vi, posso afirmá-lo, que as suas
maneiras me convenceram de que era um homem arrogante, pretensioso e devotando
a maior indiferença pelos sentimentos dos outros. Esta impressão foi tão
profunda que constituiu, por assim dizer, o alicerce sobre o qual os
acontecimentos subsequentes elevaram uma indestrutível antipatia; e ainda não o
conhecia há um mês e já estava convencida de que seria o senhor o último homem
no mundo com quem me convenceriam a casar.
- Não precisa
acrescentar mais nada, minha senhora. Compreendo perfeitamente os seus
sentimentos e nada me resta senão envergonhar-me dos meus. Perdoe-me ter tomado
o seu precioso tempo e aceite os meus mais sinceros votos de felicidade.
E com estas
palavras ele abandonou apressadamente a sala e, após alguns minutos, Elizabeth
ouviu-o abrir a porta da frente e sair. O tumulto no seu espírito tornara-se
agora insustentável. Incapaz de se manter de pé, deixou-se cair sobre uma
cadeira e chorou durante meia hora. A sua surpresa aumentava a cada recordação
do que se passara. Recebera uma proposta de casamento do Sr. Darcy! Há vários
meses que ele estava apaixonado por ela! E amava-a tanto que desejava
desposá-la apesar de todas as objecções que tinham contribuído para que ele
impedisse o casamento do amigo. Era agradável saber que ela tinha inspirado uma
afeição tão forte. Mas a piedade que por momentos a ideia de tal paixão
suscitara em Elizabeth foi imediatamente sufocada pela do orgulho do Sr. Darcy,
o seu abominável orgulho, pela cínica confissão da sua atitude para com Jane, a
sua imperdoável tranquilidade ao reconhecer o que tinha feito, embora não o
pudesse justificar, e pela maneira desapiedada com que se referira ao Sr. Wickham,
sem que tentasse negar a crueldade com que o tinha tratado.
Estas agitadas
reflexões prosseguiram torturando-a, até Elizabeth ouvir o ruído da carruagem
de Lady Catherine, com o que correu para o seu quarto, pois não se sentia em
condições de enfrentar a perspicaz atenção de Charlotte.
Amei o relato sobre o filme! Parabéns!
ResponderExcluirÉ um trecho do livro
ExcluirObrigada! O filme é excelente, porém faltam alguns detalhes contidos no livro.
ResponderExcluirUmas das minhas cenas preferidas do filme, senão a minha favorita! Vi o filme há pouco tempo por acaso e adorei cada cena. A Keira Knightley está maravilhosa! Um dos melhores romances que já vi, certamente!
ResponderExcluirCertamente que Keira estava fantástica! Nessa hora a fala dela é rápida sem atropelos... e a emoção bem interpretada.
ExcluirEu odeio Elizabeth por ter tratado o Sr. Darcy assim, e por tê-lo ofendido de forma tão injusta e grave. Odeio! Odeio Wickham por existir! Odeio Lydia por não ter concordado em voltar para casa, obrigando o Sr. Darcy a ter Wickham como parente e gastar grande soma de dinheiro com ele e ainda lhe provendo o seu sustento futuro. Odeio a Sra. Bennet por toda frieza e arrogância com as quais sempre tratou o Sr. Darcy. Odeio todos eles! Se eu tivesse escrito essa obra, Sr. Darcy seria um Deus na Terra, amado e idolatrado! rs...
ResponderExcluirNão resisti. Precisei responder. Darcy não foi educado ou gentil. Foi mimado e achou que não seria recusado, afinal, ele era o melhor da época vitorina para qualquer mulher. Mas a Elizabeth Bennet tinha suas exigências, ainda que pautada por alguns erros de observação, talvez por ser jovem. As palavras dela foram perfeitas e o colocou no devido lugar, o fez repensar sua condição e se esforçar para estar a altura dela. Jane Austen foi maravilhosa e nos fez amar Darcy por ser capaz de ser o homem a altura de uma mulher como Lizzie.
ExcluirAfffffff que aflição por esse capítulo! Sei que os dois tem erros, mas me coloco no lugar da Lizzy por ter que passar por tudo isso e ainda vem o Darcy e vai pedi-la em casamento!
ResponderExcluirMesmo amando o casal sei que não é um bom momento para estarem juntos, é preciso pensar nas suas ações, pois o Darcy é muito orgulhoso,se acha melhor que todos, e a Elizabeth é muito julgadora, não tenta se colocar no lugar do outro, mas enfim espero que fiquem juntos ♡ e tudo se resolva eee que o Darcy explique o seu lado.
Brabo
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