quarta-feira, 16 de maio de 2012

Capítulo 10 - Sr. Darcy atraído por Elizabeth


O dia passou-se de modo idêntico ao anterior. A Sr.a Hurst e a Menina Bingley passaram parte da manhã junto da doente, que, embora lentamente, continuava melhorando; e, à noite, Elizabeth juntou-se-lhes na sala de estar. Desta vez, porém, apenas o Sr. Hurst e o Sr. Bingley se encontravam jogando às cartas. O Sr. Darcy escrevia e a Menina Bingley, sentada junto dele, observava os progressos da sua carta, desviando-lhe repetidamente a atenção com mensagens para a irmã. Quanto à Sra Hurst, assistia ao jogo dos outros dois cavalheiros.

Elizabeth pegou num pequeno trabalho de costura e entreteve-se a ouvir o que se passava entre Darcy e a sua companheira. Os constantes elogios tecidos por esta, tanto à volta da letra, como da uniformidade das linhas e comprimento da carta, e a indiferença total com que esses mesmos elogios eram recebidos, formavam um curioso diálogo, que correspondia exatamente à opinião que tinha de cada um.

- Que alegria a da Menina Darcy ao receber tal carta!

Ele nada respondeu.

- O senhor escreve invulgarmente depressa.

- Está enganada. Escrevo até bastante devagar.

- Quantas cartas não terá de escrever durante o ano! Cartas de negócio, também! Que tarefa odiosa não seria para mim!

- Considere-se, então, muito feliz por tal tarefa me dizer exclusivamente respeito.

- Por favor, diga à sua irmã como anseio tornar a vê-la.

- Já aqui o escrevi, e a seu pedido, também.

- Parece-me não estar inteiramente satisfeito com a sua pena.
Deixe que eu a afie. Afio-as muito bem, sabe?

- Agradeço-lhe, mas prefiro eu fazê-lo.

- Como consegue escrever tão regularmente?

Ele guardou silêncio.

- Diga à sua irmã que fiquei encantada por saber do seu progresso na harpa; e, por favor, diga-lhe também que me extasiei perante o pequeno esboço que ela fez para uma mesa; que o acho lindo e infinitamente superior ao da Menina Grantley.

- Dá-me licença que eu guarde o seu êxtase para uma outra altura, quando tornar a escrever-lhe? De momento não tenho mais espaço para ele.

- Oh! Não tem importância. Em Janeiro estarei com ela. Mas escreve-lhe sempre cartas tão compridas e encantadoras, Sr. Darcy?

- Geralmente são compridas, mas, se são sempre encantadoras ou não, não me cabe a mim dizê-lo.

- Na minha opinião, uma pessoa que escreve uma carta comprida e com facilidade não pode escrever coisas desagradáveis.

- Tal elogio não se adapta a Darcy, Caroline - exclamou o irmão-, pois ele «não» escreve com facilidade. É com aturo que ele procura palavras de quatro sílabas. Não é verdade, Darcy?

- A minha maneira de escrever é bastante diferente da tua.

- Oh! - exclamou a Menina Bingley -, o Charles é um descuidado a escrever. Omite metade das palavras e risca o resto.

- As minhas ideias afluem com tal rapidez que não me dão tempo para as exprimir, pelo que as minhas cartas por vezes não transmitem quaisquer ideias aos meus correspondentes.

- A sua humildade, Sr. Bingley - interveio Elizabeth -, desarma a censura.

- Nada há de mais enganador - disse Darcy - que a aparência de humildade. Não passa, por vezes, de uma simples preguiça mental, ou então de uma gabarolice indireta.

- E qual das duas me atribuis?

- A gabarolice indireta; pois confessa que tens orgulho na tua escrita defeituosa. Considera-la como resultante de uma rapidez de pensamento e de um desleixo na execução, que tu achas, se não dignos de estima, pelo menos altamente interessantes. A faculdade de fazer qualquer coisa com rapidez é sempre muito apreciada pelo possuidor, e frequentemente sem atentar na imperfeição da execução.
Quando esta manhã disseste à Sr.a Bennet que, se alguma vez resolvesses deixar Netherfield, em cinco minutos o terias feito, estavas, de fato, tecendo uma espécie de panegírico, um elogio a ti próprio - contudo, que encontras tu de louvável numa precipitação, que necessariamente deixará assuntos importantes a tratar, e sem que represente uma vantagem real para ti ou para qualquer outro?

- Isso não - exclamou Bingley -, não relembremos senão os disparates ditos durante a manhã. Mas juro pela minha honra que acreditei ser verdade aquilo que disse sobre mim, assim como acredito neste momento. Pelo menos, não assumi o carater de precipitação desnecessária apenas para me exibir perante as senhoras.

- Acredito na tua sinceridade; contudo, não estou de modo algum convencido de que partirias com tal celeridade. O teu comportamento na altura dependeria tanto do acaso como o de outro homem qualquer; e se, já em cima do cavalo, um amigo te dissesse: «Bingley, fazias melhor em ficar cá até à semana seguinte», tu provavelmente concordarias -provavelmente não irias - e, a outra fala, talvez ficasses um mês.

- Com isso o senhor apenas veio provar - exclamou Elizabeth - que o Sr. Bingley não fez inteira justiça ao seu temperamento. Deu-lhe agora um relevo, que ele nunca pensou em dar.

- Estou-lhe imensamente reconhecido - disse Bingley - por converter o que o meu amigo acabou de dizer num elogio à brandura do meu temperamento. Não obstante, receio bem que o esteja a encarar sob um aspecto que não é de modo algum aquele que aquele cavalheiro deseja frisar, pois ele só me aprovaria se, na dita ocasião, eu apresentasse uma recusa formal e me afastasse a toda a brida.

- Mas, nesse caso, considerará o Sr. Darcy a precipitação da sua intenção original de algum modo mitigada pela sua obstinação em aderir a ela?

- Francamente, não sei; Darcy explicar-lho-á melhor do que eu.

- A menina deseja que eu lhe apresente uma explicação para opiniões que me atribui, mas que eu não reconheço como tal. Admitindo que assim fosse, contudo, e de acordo com a sua ideia, a Menina Bennet deverá ter presente que o amigo que interpela o Sr. Bingley para este ficar e adiar os seus planos de partida apenas exprime um mero desejo, e fá-lo sem apresentar um argumento seque da sua conveniência.

- Ceder pronta e facilmente à «persuasão» de um amigo não é, por conseguinte, nenhum mérito, segundo o senhor.

- Ceder sem convicção também não abona em favor do entendimento dos dois.

- Quer-me parecer, Sr. Darcy, que o senhor não reconhece a influência da amizade e afeição. Uma certa estima pelo solicitador pode, com frequência, levar alguém a ceder prontamente à solicitação que lhe é feita, sem que para isso precise de argumentos que o convençam. Note-se que não me refiro particularmente ao exemplo que o senhor deu a respeito do Sr. Bingley. Neste caso específico, penso que o mais aconselhável seria esperar pela ocasião, e nessa altura discutir o comportamento do cavalheiro em causa. Mas, na generalidade, de amigo para amigo, em que um deles é solicitado pelo outro a modificar uma resolução de pouca importância, levaria o senhor tal pessoa a mal por ceder prontamente a esse desejo?

- Não seria aconselhável, antes de prosseguirmos no mesmo assunto, precisar tanto o grau de importância que se queira atribuir à dita solicitação, como o grau de intimidade existente entre os dois amigos?

- Mas com certeza - exclamou Bingley -, vamos a isso!... e sem esquecer o peso e a altura de cada um, pois na argumentação pesará mais do que julga, Menina Bennet. Garanto-lhe que, se o Sr: Darcy não fosse, em comparação comigo, tão alto como ele é, não o teria em tão grande estima como realmente o tenho. Confesso não conhecer pessoa mais enfadonha que Darcy em certas ocasiões e determinados lugares; particularmente na sua própria casa, e a um domingo de manhã, em que nada tem para fazer.

O Sr. Darcy sorriu, mas Elizabeth, adivinhando nele uma certa ofensa, reprimiu o riso. A Menina Bingley, por seu lado, manifestou calorosamente o seu ressentimento da afronta por ele recebida numa repreensão ao irmão pelos disparates acabados de dizer.

- Percebo qual o teu intento, Bingley - disse o amigo. - Não te agradam argumentos e pretendes agora calar este.

- Talvez tenhas razão. O argumento anda de mãos dadas com a discussão. Agradecia-lhes, por isso, que aguardassem até eu sair da sala, podendo dizer então tudo o que lhes aprouver a meu respeito.

- O que o senhor pede - disse Elizabeth - não representa qualquer sacrifício para mim; quanto ao Sr. Darcy, tem a carta por acabar.

O Sr. Darcy seguiu-lhe o conselho e acabou a carta.

Uma vez tal tarefa terminada, pediu à Menina Bingley e a Elizabeth que lhe dessem o prazer de ouvir um pouco de música. A Menina Bingley dirigiu-se com vivacidade para junto do piano; e, após delicadamente oferecer a vez a Elizabeth, que esta tão delicada mas mais sinceramente recusou, sentou-se ela própria ao instrumento.

A Sr.a Hurst veio cantar com a irmã, e, enquanto elas estavam assim ocupadas e Elizabeth folheava alguns livros de música espalhados sobre o piano, esta não pôde deixar de notar a insistência com que os olhos do Sr. Darcy a procuravam.

Custava-lhe admitir que ela pudesse constituir um objeto de admiração para tão grande homem; por outro lado, que ele olhasse para ela porque ela lhe desagradava, ainda lhe parecia mais estranho. Concluiu, finalmente, que talvez ela lhe chamasse a atenção por, de acordo com as noções dele de decoro, nele encontrar algo de mais errado e repreensível que em qualquer outra pessoa presente. Tal suposição estava, porém, longe de a ferir. Não simpatizava com ele o suficiente para se preocupar com a opinião que ele pudesse formar a seu respeito.

Após ter tocado algumas canções italianas, a Menina Bingley mudou o ritmo para uma alegre ária escocesa; e imediatamente o Sr. Darcy se aproximou de Elizabeth e lhe disse:

- Não se sente seriamente tentada, Menina Bennet, a aproveitar tal oportunidade para dançar um reel (1)?

(1) Dança escocesa. (N. do T.)

Ela sorriu, mas não respondeu. Ele repetiu a pergunta, um pouco surpreendido com o seu silêncio.

- Oh! - disse ela -, já o tinha ouvido antes, mas não me decidia sobre o que havia de lhe dizer em resposta. O senhor desejaria que eu lhe respondesse afirmativamente, de modo a ter o prazer de desprezar o meu gosto; mas deleito-me sempre em sabotar tais planos de um desdém premeditado. Resolvi, por isso, dizer-lhe que não me apetece de todo dançar um reel... e agora despreze-me, se é que o ousa.

- De fato, não o ouso.

Elizabeth, que esperara ofendê-lo, ficou espantada com a sua delicadeza. Transparecia na rapariga um misto de doçura e malícia que a impossibilitava de ofender alguém; além disso, Darcy nunca antes se sentira tão fascinado por uma mulher.

Chegava mesmo a acreditar que, não fora a inferioridade dos parentescos dela, ele estaria no perigo iminente de se apaixonar.

A Menina Bingley viu, ou suspeitou, o suficiente para sentir um certo ciúme; e a sua enorme ansiedade pelo restabelecimento da sua querida amiga Jane era de certo modo reforçada pelo desejo de se ver livre de Elizabeth.

Tentava frequentemente suscitar em Darcy o desagrado pela sua hóspede, falando-lhe do suposto casamento entre os dois e ideando a felicidade que ele iria encontrar em tal aliança.

- Espero - dizia-lhe ela quando, no dia seguinte, os dois passeavam pelo bosque - que não deixe de dar a entender à sua sogra, mal acontecimento tão desejável se realize, qual a vantagem de se manter calada; e, se é que terá poder para tanto, não se esqueça de tirar às suas cunhadas mais novas aquela mania de andarem atrás dos oficiais. E, se me permite mencionar assunto tão delicado, faça o possível por refrear o seu quê de conceito ou impertinência que a eleita do seu coração possui.

- Tem mais alguma coisa a propor para a minha felicidade doméstica?

- Oh!, claro que sim! Reserve um lugar para os retratos dos seus tios Philips na galeria de Pemberley. Coloque-os logo a seguir ao seu tio-avô, que foi juiz. A profissão é a mesma, só que a níveis diferentes. Quanto a um retrato da sua Elizabeth, aconselho-o a não o mandar pintar, pois que pintor retrataria com justiça olhos tão bonitos?

- Não seria fácil, de fato, apanhar-lhe a expressão, mas a sua cor e forma, e as pestanas tão invulgarmente delicadas e perfeitas, poderiam ser copiadas.

Neste momento encontraram-se com a Sr.a Hurst e a própria Elizabeth, provenientes de um outro caminho.

- Não sabia que também tencionavam passear - disse a Menina Bingley, numa certa confusão, receando que elas tivessem escutado a conversa.

- Trataste-nos muito mal - respondeu a Sra Hurst - fugindo de nós e sem nos dizer que vinhas passear.

E, tomando o braço que o Sr. Darcy tinha livre, deixou Elizabeth sozinha. O caminho dava apenas para três pessoas.

O Sr. Darcy, sentindo a falta de delicadeza das irmãs, imediatamente disse:

- Este caminho não é suficientemente largo para todos nós. Aconselho, por isso, a tomarmos a alameda.

Elizabeth, porém, que não se sentia tentada a continuar em tal companhia, respondeu sorridente:

- Não, não; deixem-se estar. Compõem um grupo tão encantador e pitoresco, que a admissão de uma quarta pessoa apenas o iria estragar. Até logo.

E partiu alegremente, acalentando em si a esperança de dentro de um ou dois dias se encontrar de novo em sua casa. Jane melhorara tanto que nessa mesma noite tencionava deixar o quarto durante algumas horas e juntar-se-lhes ao serão.

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